sábado, 18 de dezembro de 2004

Traduções

Long time, no sofa.

Para me redimir, deixo-vos com uma breve.

Na passada semana, estava eu enroscada num sofá a norte, quando leio, numa sitcom que passava na 2:, a seguinte tradução:

«Up yours!», diz a personagem brit.

«Vai comer ranho!», legenda o criativo tradutor.

Será que o senhor achou que o «yours» era... um nariz?

Isto já para não dizer que nem eu, batata asneirenta qb, conheço o insulto «ir comer ranho».

sábado, 30 de outubro de 2004

Marcelo Rebelo de Sousa, por Zézé Camilo

Uma das regras da comunicação é que, por mais unívocas, claras e transparentes que sejam as palavras de que nos servimos para transmitir uma mensagem, cada um dos receptores vai interpretá-la de acordo com os seus conhecimentos, os seus pré-conceitos, a sua moldura mental, por assim dizer.

Na passada semana, Zézé Camilo Rufino, sobrinho de uma das minhas maiores amigas, emitiu a sua opinião sobre o caso Marcelo Rebelo de Sousa vs TVI. No telejornal, falava-se em «cabalas contra o governo...», e o petiz, com seis anos de idade e um fortíssimo sotaque nortenho, indignou-se:

«Cabalas?!... ÉGUAS!»

Bom fim-de-semana a todos!

quinta-feira, 28 de outubro de 2004

Vale sempre a pena

Até estou a tremer... parece que ganhei o Euromilhões (bem, nesse caso já estaria a caminho do hospital!). Acabo de saber que o Nuno Prata, cujo mérito e canções eu tanto tenho apregoado, vai fazer a primeira parte do Josh Rouse, nos concertos de Dezembro!

Desculpem-me a falta de elaboração deste post, mas às vezes sabe mesmo, mesmo bem ver que o que é bom acaba por ser notado...

Imaginem agora um grande sorriso, e é como eu estou.

Falta dizer que já há bastantes anos sou, também, fã do Josh Rouse, pelo que este double bill está diametralmente oposto, numa escala que vai do Bem ao Mal, àquele match made in hell que é a Anastacia e os Fingertips, um destes dias no Atlântico.

As datas da grande oportunidade podem ser consultadas aqui.

Vão, se quiserem ouvir (e assobiar) ao vivo coisas como esta:

«Nada é pior do que não te ter
e ver que outros braços
te dispensam beijos falsos, fáceis rimas de prazer

Nada é tão mau quanto não te ter
e saber que o teu riso
é o aviso que de ti preciso para viver»


sexta-feira, 22 de outubro de 2004

Insónias

Voltei a ter uma insónia. A gaja que adormecia em poucos segundos não pode ficar a trabalhar até tarde, que lhe passa o sono - isto é, o corpo pede descanso, mas a cabeça não pára, impedindo-me de adormecer.

Esta semana, depois do concerto dos Magnetic Fields, fiquei até às cinco da matina a revolver-me na cama, puxando lençóis, acendendo e apagando a luz repetidas vezes, e de uma forma geral amaldiçoando a minha sorte.

Como sempre nestas ocasiões, só consegui pregar olho depois de rever mentalmente, 20 vezes, o que fizera naquele dia e o que me esperava no próximo, e de começar a considerar usar as horas-extra em que estou a pé para pintar um fresco ou construir uma catedral.

No meio da torrente de ideias, esta voltou a assolar-me: a coisa que mais me atrofia em não conseguir dormir, estou em crer, não é o cansaço (eu ando sempre cansada, a minha mãe diz que eu até já nasci assim) nem o facto de estar a abrir a porta às olheiras (que habitam na minha cara há mais de dez anos, quer durma muito, pouco, ou faça uma directa).

O que me chateia é não ter ninguém com quem falar.

Acho que vou pôr anúncio no Jornal Ocasião:

«Procura-se profissional da área da panificação, segurança nocturna ou recolha do lixo. Para troca de sms aquando de eventuais insónias. E nada mais.»

Bom fim-de-semana!...

terça-feira, 19 de outubro de 2004

Outra vez Saint Nick

Lembram-se de há tempos vos contar que a leitura do "31 Songs" em plena paragem de autocarro me rendera fãs inesperados? Pois bem, além desses dissabores, retive alguma coisa do livro. A sério. Há algo na prosa de Nick Hornby que faz com que, enquanto ando a ler alguma das suas obras, comece a pensar como o homem, integrando expressões e atitudes das personagens no meu dia-a-dia. Isto pode parecer estranho, mas 1) não me acontece com todos os escritores 2) eu sou estranha.

Vem isto a propósito de um capítulo do "31 Songs" em que Nick Hornby fala da música de um grupo obscuro, que não deixou de ser obscuro por ele ter falado nele, ou lembrar-me-ia do seu nome, agora. Seja como for. Queria o senhor contar que a banda era de uns amigos, ou dos amigos de uns amigos, que para o efeito vai dar ao mesmo. E que por isso, e por vir com recomendação de outros amigos, lhe tinha prestado muita atenção, acabando por se apaixonar pela música. Diz Nick Hornby que devíamos ser amigos de toda a gente, para evitar os discos ouvidos à pressa (e logo postos de lado), e até mesmo aquelas rodelas compradas num impulso e que mal acabam por sair da caixa.

Lembrei-me disto por causa do disco que ando a ouvir há um ror de dias. "Bom Dia", dos Pluto. Como se devem lembrar, à conta da choraminguice derramada uns posts abaixo, esta é a nova banda do Manuel Cruz e do Peixe, espinha dorsal dos Ornatos Violeta.



Andava a evitar ouvir o disco. Tinha medo de ficar desiludida. (Lembrem-se, eu sou estranha). Mas graças ao Nuno Prata (ex-baixista dos Ornatos, que me disse maravilhas do "Bom Dia"), tomei coragem. Cá vai disto. Pronto. Ouvi. E agora?

Agora os Pluto não são os Ornatos, mas isso já eu sabia por tê-los visto ao vivo várias vezes. As letras e a voz só podiam vir do Manuel Cruz (embora os textos registem algumas diferenças, certamente para melhor adequação ao novo registo sonoro. E mais não digo se não ainda ficam a pensar que eu fiz um trabalho para a faculdade sobre as letras do homem, e tal).

Se este "Bom Dia" não fosse dito por quem é, talvez não chegasse à segunda audição.

Punha o disco de parte com aquele esgar de «não gosto lá muito» e passava ao próximo, ou voltava aos habituées.

Mas como tenho o MC e o Peixe em altíssima estima, insisti. Primeiro, ouvindo aquelas que me caíram mais no goto (ainda bem que não estamos a falar de um vinil, ou já o teria riscado na faixa 12), depois, pouco a pouco, alastrando a curiosidade ao resto do disco.

Estou viciada, constatei pouco tempo depois. Já me apetece ouvir o disco no autocarro, em altos berros logo pela manhã, decorar letras, ver concertos, assustar os vizinhos com aquelas guitarradas e delírios quase psicadélicos.

Ponho-me assim a pensar que quem tem razão é o Nick Hornby; e a imaginar que outros discos ando a perder, por não olhar para eles como se tivessem sido feitos por amigos meus.

A propósito de amigos: a vida, infelizmente, não sorri da mesma maneira a toda a gente, e enquanto os Pluto se passeiam, graças a Deus, por media avulsos, o Nuno Prata continua sem perspectivas de futuro... Perdoem-me por acreditar, mas digo que está ali um dos melhores autores de canções dos últimos anos, escritas com a mão no coração e um respeito carinhoso, engenhoso, pela Língua Portuguesa.

Se quiserem ouvir, chateiem-me. A sério, mando maqueta sem encargo.

Boa semana!...

sábado, 25 de setembro de 2004

Casa

O vento não sopra em lado nenhum como no quintal (selvático, amazónico, caótico) da minha Avó.

quinta-feira, 16 de setembro de 2004

Perigos da leitura

No começo desta semana, estava na paragem do 42 a devorar as últimas páginas do "How To Be Good", quando ouço alguém a interpelar-me, gentilmente:

«Excuse me...»

Ora, a Boa Hora não é propriamente local turístico que se apresente, pelo que desconfiei da abordagem estrangeirada. Olhei pelo canto do olho e vejo um senhor com ar de quem espera o 60 (destino: Martim Moniz), chapéu e sorriso amável. Acalentei a esperança de que quisesse pedir alguma informação de jeito.

«Do you speak english?», avançou o homem, sem que eu lhe desse trela para tal.

Comecei a topar-lhe a pinta - queria conversa, e eu queria acabar o livro. Armei-me em mula e fiz que não com a cabeça. Acompanhei com um sorriso.

«Why are you reading a book in English, then?», apontou com argúcia o senhor do chapéu.

Fuck, parece-me legítimo dizer.

Sonhos

Ontem tive uma insónia do tamanho de uma casa. Tendo em consideração que nunca demoro mais de cinco minutos (ou mesmo segundos) para adormecer, posso até dizer que tive a insónia da minha vida. Estive mais de duas horas às voltas na cama, a olhar para o tecto, a ouvir música e a ler um artigo sobre o "Verão Azul", na 365.

Às tantas, lembrei-me que tinha lido numa revista que o remédio, nestas ocasiões, é pensar no que fizemos naquele dia, ou no que vamos fazer no dia a seguir (estes conceitos confundem-se, a partir de certa altura).

Não resultou: fiquei ansiosa a pensar nas minhas tarefinhas pré-fim-de-semana e não me deu sono nenhum.

Comecei então a lembrar-me de alguns sonhos que tenho tido ultimamente, e que àquela hora, no silêncio escuro do meu quarto quente comó raio, se tornaram mais próximos.

Na última semana, o meu subconsciente esteve em modo temático, recuperando duas paixões da minha longínqua juventude.

À falta de um psicanalista, partilho convosco...

Sonho 1

Estava a passear com os meus pais quando, atrás de mim, um rapaz (uma das tais paixonetas acerca das quais nunca fiz nada que se apresentasse) me começa a chamar. À primeira, parecia não o reconhecer. O mistério resolveu-se (bem, mais ou menos) quando o moço se re-apresentou: «Então, não te lembras de mim! Sou o rapaz que conheceste no Minipreço!».

Esta é uma mentira ignóbil. Nunca conheci ninguém no Minipreço, muito menos aquele holandês, que como convém à sua nacionalidade, me foi apresentado em Amesterdão.

Dei uma volta de honra à praceta com o rapaz, e quando dei por mim já se tinha evaporado. Tão fugaz como na realidade, portanto (esqueçamos a parte do Minipreço, por momentos). Valeu pela recordação.

Sonho 2

Ia de carro com o meu real e estimado batato, em Gaia. Passo em frente à biblioteca anexa ao liceu e vejo, no meio de um grupo de rapaziada, o desgraçado com quem eu muito engraçava, na minha adolescência. Estava igual a si mesmo (calções feitos a partir de calças cortadas, botas grunge/trolha, aquela coisa). Fiquei contentíssima: «Olha, olha, está igual!!! Não mudou nada», exultei.

Na vida real, não o vejo há anos, se bem que me constou que trabalha agora numa famosa cadeia de lojas de música, que não a Valentim de Carvalho.

No mesmo sonho, o Kiko, meu primeiro e saudoso cão, ressuscitava. A emoção era grande. E o canito, cruzamento entre rafeirote e cão de água, aparecia agora de olhos azuis e pijama a condizer.

Bom fim-de-semana!...

domingo, 5 de setembro de 2004

Sofá Gold - Dempsey & Makepeace

Num Domingo quase Outonal, com bastante coisa para fazer mas preguiça em iguais doses, lembrei-me de recorrer ao Google para encontrar informação actualizada sobre o programa que mais alegrias me deu em toda a vida (sim, estou em semana nostálgica).

A missão era arriscada, eu sei: o que pode ser mais deprimente que encontrar os nossos ídolos velhos e caquéticos, numa qualquer prateleira dourada (ou nem isso) da especialidade em que em tempos brilharam?

No entanto, e graças a outros maluquinhos como eu, vi os meus propósitos cumpridos sem apanhar qualquer decepção. Eles vivem! Eles estão bem!! E eles tiveram um filho, ao qual deram um dos meus nomes favoritos: Alexander.

Falo, como é bom de ver, dos protagonistas da lindivinal série Dempsey & Makepeace, que em meados da década de 80 me dava uma razão extra para ficar acordada no sofá (na altura, de outra cor), à espera do melhor programa da televisão portuguesa e arredores.

Não me lembro, ao contrário da maior parte das minhas contemporâneas, da Candy Can, mas tenho bem presente a tarde em que persuadi a minha mãe a passar-me uma justificação de falta, para poder sair das aulas a meio da tarde e ver o Dempsey & Makepeace no "Agora Escolha". Andava na quarta classe.

Hoje, é possível reviver todos aqueles grandes episódios, grandes cenários foggy e brit, e grandes penteados dos anos 80, graças à edição da série em DVD. Recebi a primeira caixa pelo aniversário e desde então que tem sido um fartote de memórias e ansiedades: estarão bem? Ainda serão actores? Terão entrado em filmes da TVI?

Através de uma amiga, verdadeira enciclopédia de cinema e televisão, soube que, tristemente, a resposta a esta última pergunta é «sim, uns quantos». Mas também que Michael Brandon (verdadeiro nome, Feldman) e Glynis Barber (Van Der Reit) casaram pouco depois do final da série, têm um menino e, o que é mais importante, ostentam hoje em dia visuais que em nada envergonham os verdadeiros paradigmas da moda que eram quando eu tinha seis anos.

Fiquei feliz.

Ele:



Ela:



Ele mais ela:



quinta-feira, 2 de setembro de 2004

Momentos olímpicos

Agora que os jogos acabaram e o tempo (inclusivamente o meteorológico) convida à reflexão, deixo aqui no tasco a memória de um dos melhores momentos das últimas Olimpíadas.

O atleta português que não brilhou e, depois, acusou a federação de o ter deixado correr com sapatilhas rotas, arrependeu-se e, no aeroporto, já dizia que, afinal, a culpa tinha sido dele. A Federação até lhe podia ter dado umas sapatilhas novas, ele é que não soube «a quem se dirigir para pedi-las» (bem o compreendo; em qualquer empresa de média dimensão, saber a quem pedir o quê é, muitas vezes, um enigma diabólico).

Pergunta-lhe então o jornalista: «Está, portanto, a fazer um mea culpa

Responde o homem das sapatilhas rotas: «Hum... não, é culpa completa, mesmo. Foi toda minha!»

(Eruditos dum raio, estes jornalistas que abordam atletas que correm quase descalços com locuções latinas!)

Entretanto, outro dia sonhei que era metade de uma equipa olímpica de ginástica blues-rock, tendo realizado uma prova invejável, ainda que improvável, de corrida, ciclismo, malabarismos e música ao lado do Paulo Furtado, aka Legendary Tiger Man.



O júri não sabia muito bem o que achar da nossa pretação, mas nós sabíamos que tínhamos estado bem.

Eu até tinha um fato-de-treino prateado, e, no final, perguntava ao homem dos Wray Gunn se ele não queria que eu lhe cozinhasse alguma coisa, já que ao olhar para o que tinha no frigorífico, achei que bolos e suminhos não era ementa rock que se apresentasse.

Desculpa, Petra.

segunda-feira, 30 de agosto de 2004

Sofá Não #1 (continuação)

Realmente eu vivi toda aquele febre com um entusiasmo adolescente, apesar de a panca ter desabrochado já eu passara dos 20. E onde? Precisamente nos jardins do Palácio de Cristal, na edição de 1998 do Ritual Rock. Conhecia uma ou duas músicas, vi o concerto sozinha e fiquei doida; fui logo para casa escrever um texto tosco que mandei para o "DN Jovem" (acho) e telefonar ao pessoal a espalhar a boa nova: há uma banda muito boa, são do Porto e cantam em Português, veja-se a bizarria, e eu adorei! Não era normal, à altura, e até nisso os Ornatos Violeta vieram revolucionar a minha vida.

À época, dizia então, achava que o Manuel Cruz se chamava Tiago e os nomes das músicas defendidas (ou atacadas? Na altura do "Cão!" eles eram tão viçosos...) naquele palco nada me diziam. Poucos dias depois, uma amiga em Lisboa passava por experiência semelhante, no Palco 6 da Expo. Juntas viríamos a vê-los, ainda naquele ano, num festivaleco de meia leca em noite chuvosa no Parque das Nações, no Montijo (olá, Célia!) e no Hard Club. São coisas que não se esquecem, como os primeiros dias de uma nova paixão, ou da Primavera, ou das férias grandes.

Depois do segundo disco, desde que houvesse dinheiro para a viagem de camioneta e o pão com chouriço no recinto das festas, íamos a todas (ou quase - nunca os vi no Algarve nem em Trás-os-Montes...). No final víamo-nos gregas para voltar a casa, mas achávamos sempre que tinha valido a pena.

É natural, pois, que com o final tenha ficado nas nossas bocas um «travo amargo da solidão» (outra citação). Sentimo-nos abandonadas. E connosco, muitos outros fãs que continuamos, hoje, a conhecer, a ver com t-shirts nos festivais. Há até quem faça sites, ou versões (os Clã do 'Capitão Romance', os Toranja da 'Chaga', e sabe Deus os pulos que o meu coração deu quando os primeiros acordes desta ode ao hino de corno soaram no palco tuga do Super Rock).

Talvez daqui a muitos anos haja uma reunião. Ou um concerto. Só um, pelo qual eu daria metade dos meus discos, as minhas poupanças (OK, esta não vale, eu não tenho poupanças), o recheio do frigorífico ou a totalidade do ordenado. Nem que tenha de aprender a tocar o instrumento de algum membro que recuse tocar nessa ocasião!

A última vez que fora ao Ritual Rock, vi os Ornatos cantarem uma versão ao piano do 'Mata-me Outra Vez'. Bem, a tocar; quem cantou foi o povo. Este fim-de-semana, não consegui abstrair-me disso e senti uma mistela de saudades, melancolia e raiva.

Acho que, apesar de tudo, é bom sinal. Estou viva. E vou continuar à espera de mais "Notícias do Fundo".



( eu estive neste showcase; foi na Valentim de Carvalho do Norte Shopping, estava cheia. )


Sofá Não #1: O Amor É Isto

Amei os Ornatos Violeta com uma intensidade dificilmente explicável em palavras. Uma paixão breve, porque o outro extremo da relação morreu, suicidou-se, apagou-se do mapa vá-se lá saber porquê (confesso que hoje também não sinto grande curiosidade; se acabou, acabou, e a resignação acaba por vencer. Como diria o Steve Wynn, «only the pain remains/the same the same the same»).

Chorei muito no dia em que o final veio escarrapachado nas páginas do "Correio da Manhã", e também quando, depois de um desmentido pouco convincente, o "Blitz" disse que a banda ia estar na Queima da Fita do Porto, para «o último concerto» da carreira. Vinha a descer a Rua Garrett quando dei com essa notícia, e as lágrimas caíram-me em catadupa pela cara abaixo. O último (triste) acto deste verdadeiro drama a conta-gotas aconteceu numa manhã de Inverno. Uma amiga, também aficionadíssima da banda, deu-me a notícia pelo telefone. Vi o DVD do "American Beauty" e no final aproveitei a cena da morte do Kevin Spacey (salvo seja) para chorar mundo e o outro. Fiquei doente e tudo, mas pelo menos dessa vez foi definitivo. Os Ornatos não mais voltariam a subir a um palco, para me dar alegrias como aquelas que vivi mais de 20 vezes, em várias terreolas deste nosso Portugal.

Este fim-de-semana, veio-me tudo isto (e mais alguma coisa) à cabeça. Fui ao Porto ver as Noites Ritual Rock, aquele festim de concertos de bandas nacionais que acontece anualmente nos jardins do meu adorado Palácio de Cristal. Em 2004, tínhamos no - excelente - cartaz Nuno, Nico (o fantástico projecto do antigo baixista dos Ornatos, Nuno Prata, e do seu amigo Nicolas Tricot) e Pluto, a banda em que alinham Manuel Cruz e Peixe, da mesma casa violeta.

Quis o destino ou algo mais que se encontrassem, na mesma noite, os novos grupos do defunto supergrupo. Musicalmente, pouco lugar a grandes conclusões: continuo a achar que, numa primeira audição, os meus ouvidos se apaixonam mais facilmente pelas canções do Nuno, Nico do que pelas guitarras dos Pluto. Mas quer uns quer outros (eu esforço-me e já tinha visto cada um dos grupos, ainda sem nada editado, por duas vezes) estão, como se diria no Fórum Sons, a crescer - e muito.

Enquanto consigo olhar para o Nuno Prata, tão tímido e tão bonito, e concentrar-me nas lindivinais letras da qual parece estar prenho, ver o Manuel Cruz e o Peixe em palco dá-me vontade de chorar. Emoção, mas não só. Sobretudo quando um dos mais talentosos artistas nacionais toca uma música, altamente reminiscente da banda que a gente sabe, e no final revela que ela foi escrita com o Nuno Prata, «para aquele que seria o terceiro disco dos Ornatos». Foi aqui que o nó que tinha na garganta se apertou definitivamente, e ainda bem que estava sozinha, para ninguém ver a minha fraca figura.

O Nuno Prata é um excelente escritor de canções, o Manuel Cruz e o Peixe têm química a rodos. Mas não há amor como o primeiro e sei que nada substituirá, no meu coração, a banda que me levou a andar em "digressão" pelo país, sempre sedenta de mais um concerto, de mais um encore, de mais um 'Há-de Encarnar' (um inédito que o grupo tocou ao vivo na tour d' "O Monstro...", e que eu e as minhas amigas adorávamos com devoção).

Quando contei estas "coisas" (outra bela canção, do segundo disco), o meu amigo Pedro Rios, que curiosamente entrevistou o Manuel Cruz na última edição do "Y", comentou: "Tanto amor...". E acho que nem a lucidez demonstrada pelo MC na dita entrevista chega aos calcanhares da argúcia deste novo escriba de valor, aqui na sua condição de melómano e camarada de lides musicais.

(continua)

Sofá Sim, Sofá Não

Alguns meses depois de ter aberto as portas deste tasco musguento, não resisto a criar uma nova rubrica, à qual chamarei - decidi-o durante o fim-de-semana - Sofá Sim, Sofá Não.

Porque tenho visto pouca televisão, e porque há paixões que falam sempre mais alto, impõe-se que arranje assunto para actualizar o Sofá com frequência de gente.

Os caros leitores importam-se que abra o livro de pautas?


quinta-feira, 26 de agosto de 2004

O poder da Internet

É bonito, o poder da Internet. Depois da denúncia de ontem, a Mulher Mais Antipática do Mundo falou-me.

Foi hoje de manhã: cheguei mais cedo ao bairro onde trabalho, e fui ao café onde ela vegeta, tomar uma meia-de-leite para aquecer e fazer tempo. Quando vou pagar, a mulher responde-me, em tom mecânico e piloto automático, um frio «bom dia».

Seria da hora (eram sete menos dez)? Estaria ainda a dormir?

Bem, retiro tudo o que disse, e o título que lhe atribuí. A empregada do nosso café de férias é, afinal, o Robot Mais Antipático do Mundo. Bom dia!

quarta-feira, 25 de agosto de 2004

Rádio Gilão

Passei umas breves, mas fantásticas, férias em Tavira, no mês passado. Uma espécie de regresso ao passado, já que dos 6 aos 18 anos, mais coisa menos coisa, foi aquela lindivinal cidade algarvia a emoldurar os meus Verões.

Lembro-me de o meu pai me ter tirado uma bela foto à porta da cosmopolita Rádio Gilão, quando era ainda teenager inconsciente.

Este ano, já «menina crescida», como cantaria a Manuela Azevedo, encontrei, em Santa Luzia (localidade vizinha, auto-proclamada "capital do polvo") aquele que penso ser o veículo de reportagem da rádio tavirense.

Observai:


A mulher mais antipática do mundo

A mulher mais antipática do mundo vive aqui à minha beira.

Em tempo de férias, o Senhor Zé, dono do café mais próximo da barraca onde trabalho, que cobra balúrdios por um lanchinho e tem um BMW, fecha o seu estaminé. Ficamos nós, trabalhadores esforçados mesmo em tempo de Verão, obrigados a calcorrear uma rua inteira até chegarmos a um outro estabelecimento (onde, por acaso, no ano passado ouvi um empregado contar ter apanhado, com os dentes, alguns «cabeçudos», ie peixes pequeninos, num mergulho na praia).

Aparte os comentários desse senhor, que costuma também contar a todos os fregueses como bebe um litro de leite («compro no Lidl, que é mesmo ao lado de minha casa!») todas as noites, antes de ir dormir, está-se bem naquele café-substituto. Excepto à entrada, ou à saída, quando nos deparamos com a Mulher Mais Antipática do Mundo.

Ela toma conta da caixa, onde há que ir pagar a despesa. E não há dia em que esboce um sorriso, balbucie um obrigado ou até um fugidio boa tarde. Nem aquelas palavras que nos saem inconscientemente (um «com licença» quando queríamos dizer «santinho»...) se ouvem por detrás da caixa. E ela não é mouca nem muda, pois o preço a pagar sabe bem dizê-lo. É apenas antipática, muito antipática. Nem se trata de ter um ar triste, que dessa estirpe costumo até ter pena. É carrancuda, sisusa, de cara inevitavelmente fechada.

Fico nervosa e mal-disposta quando sei que tenho de a enfrentar, pois não consigo evitar os mínimos da boa educação: os obrigados e bons dias que caem, invariavelmente, em saco roto.

Atribuí-lhe o prémio de Mulher Mais Antipática do Mundo quando ouvi colegas a queixarem-se do mesmo. Afinal, não é só com a minha cara que ela não engraça. Acho que é mesmo com a Humanidade em geral.

sexta-feira, 23 de julho de 2004

Adeus, até sempre



A Batatinha não abriu este tasco para falar de música, mas hoje, à hora a que me levantava, morreu a guitarra portuguesa.  

Obrigada, Carlos Paredes, por tudo.













quinta-feira, 1 de julho de 2004

Outras coisas tristes

Em dia de alegria nacional, vamos recuperar o texto triste que conseguiu alguma reacção da vossa parte, seus portugueses típicos, amantes da prosa com a lágrima ao canto da vírgula.

Diziam o João e a Marlene que se identificam com esta coisa do tempo (e do transporte) perdido, das pessoas cujo dia ficou lá trás, e que hoje, pelo menos a nós, nos dão a impressão de andarem a marcar passo, de forma ainda mais flagrante e denunciada que o resto da humanidade.

Lembrei-me, a propósito dessa conversa, de um dos meus momentos favoritos do "Alta Fidelidade", livro de Nick Hornby que recomendo a todos os fanáticos por música. Dizia ele, numa das suas reflxões motivadas por dor de corno e sentimento de culpa, que às vezes olhava para as fotos de quando era criança e, à típica boca do "tão querido", se juntava um constrangimento, um remorso indizível.

Como se olhasse para a foto e se visse com sete anos, vestido à cowboy e a apontar a pistola para a objectiva, e tivesse vontade de dizer àquela sua persona em ponto pequeno: «Fica aí, em 1985 [adaptei para o meu caso], não vale a pena cresceres, that is as good as it gets».

E acrescentava o adorável Rob Fleming ter a certeza que, se o menino pudesse saltar da foto para os dias que atravessava, enquanto adulto, rapidamente fugia para aquele momento do passado, desagradado pelo flash do futuro.

Também eu tenho uma foto dessas à cowboy (tomaram-me por um rapaz, coisa que muito levei a peito e nunca esqueci), mas felizmente faço por não querer voltar para ela.


segunda-feira, 28 de junho de 2004

Diga bom dia...

Todas as manhãs, quando entro às 7h00, passo por uma mercearia antes das Amoreiras, e reparo numa rapariga que, tal como eu tenho por hábito viajar sempre naquele autocarro, encontro invariavelmente a fazer a mesma coisa, à mesma hora - quer chova ou faça sol.

Estou eu quase a chegar ao trabalho e ela a acartar caixotes de fruta, e outros produtos, de uma camioneta para a mercearia, ou da loja para a rua. Tem sempre o cabelo apanhado no cocoruto, o avental preso atrás das costas e um ar relativamente despachado para aquela hora da manhã. Mal sabe a moça que, enquanto se atarefa a pôr ordem à mercearia, há alguém que repara que, mais uma vez, ela não trocou o trabalho madrugador pelo sono merecido, e que, mesmo sem cartões de banda magnética e modernices afins, continua a marcar o ponto nesta vidinha de labuta sem recompensa à vista, qual formiguinha sem costela de cigarra.

No autocarro de regresso a casa, avisto também muitas vezes um nativo do Casal Ventoso, um daqueles toxicodependentes a quem é difícil, se não impossível, tentar adivinhar um passado, uma família, um momento em que tenha sido feliz, limpo, livre. Às vezes olho para estas pessoas e tento ver além das crostas, da pele retinta, dos cabelos feitos ninhos de rato. Algum dia, todas eles terão sido felizes, ou pelo menos motivo de felicidade para alguém. Todos tiveram o seu dia, o seu momento.

Não sou moralista em relação às drogas, mas duvido que alguém gostasse de ver um filho acabar no Casal Ventoso, com chagas em sangue e um olhar de eterno morto-vivo.

Há sensações que nenhuma demolição ou limpeza de conveniência conseguem afastar. A sensação de que a vida, o que quer que seja, está a passar ao lado, numa linha de comboio paralela, num daqueles transportes que nunca conseguimos apanhar, quer seja por chegarmos atrasados, quer seja porque, se calhar, não estava escrito que o apanhássemos. Tenho este sonho muitas vezes.

Este post não era para ter saído tão sério, mas aconteceu.

Falta dizer que Rui Zink, no seu último livro, põe Jesus Cristo como vítima de uma depressão nervosa com dois milénios de duração, a viver, completamente alienado, no Casal Ventoso. E que o junkie que eu vejo tantas vezes é estranhamente parecido com o Devendra Banhart, um dos mais badalados trovadores da actualidade.

Se estiverem perto de um qualquer centro de cultura ró (loja de discos, BD, livraria, bares...) vão buscar a Mondo Bizarre, que fala nesse e noutros senhores, e com a qual tive, desta vez, a sorte e a honra de colaborar.

É grátis, não deixem passar (est)a oportunidade.

Consumido

A batatinha tem um vizinho da frente que sabe mais sobre os seus hábitos (nomeadamente, horários quotidianos e companhias com quem os pratica) do que muitos dos que lhe são próximos.

O senhor, que tem idade e diâmetro consideráveis, pendura-se da janela todo o santo dia (e noite), sabendo assim que tão depressa saio para trabalhar às seis e tal, como regresso já a lua vai alta (e as baratas se escondem por trás da porta do prédio - pormenor gore, mas verdadeiro).

Regra geral, o vizinho faz-se acompanhar de uma fileira de roupa a secar, num estendal que lhe dá mais ou menos pela cabeça. Roupa interior e camisolas da mesma espécie são o seu forte, o que se explica se lembrarmos que o nosso herói é pouco dado a arrepios de frio e costuma brindar a nossa travessa com o seu tronco nu (se usa calções ou coisa pior, não sei nem quero arriscar. Valha-nos a varanda a tapar as vergonhas).

A verdade é que, à falta de vizinhos mais simpáticos, muitas vezes dou por mim a chegar a casa e olhar para a sua varanda. Tornou-se uma espécie de acto reflexo, companhia constante, e o facto de sempre que chego ao meu quarto (frente à sua janela) baixar a persiana nenhuma hostilidade revela face à sua pessoa.

Foi assim com espanto que, há coisa de duas semanas, dei pela falta do nosso amigo. Nem ele, nem a sua carismática roupa alva, deram a cara durante alguns dias. Preocupante, no mínimo.

Já ouvi falar em pessoas que se deixam consumir pelo futebol, mas isto é demais!

sexta-feira, 25 de junho de 2004

Very late night TV

Esta batata enferrujada começa por pedir perdão pelo tempo que esteve afastada do seu habitat natural, o sofá. Mas os últimos dias têm sido consumidos pela preocupação (futebolística) e pelo medo (metafísico) de regressar para o sítio de onde todas as batatas vêm: a terra. Não é normal tanto sofrimento, não são normais tantos penalties, mas felizmente também não é normal o antigo guarda-redes do meu clube, a quem aproveito para mandar um aperto de mão e um abraço bem suados e orgulhosos da passagem às meias-finais.

( Fica para depois a teoria de que Ricardo é mais um fenómeno do Montijo, essa terra que nos deu já o Bruxo Francisco Guerreiro e ameaça disputar com o Entroncamento o estatuto de terra mais mítica de Portugal, parafraseando o meu amigo João SD )

Depois dos festejos, ontem à noite, tive dificuldade em seguir logo para a cama, e dei por mim a ver um constrangedor espectáculo televisivo, na SIC. Penso que o nome da coisa era "Fashion Model Awards", mas o formato é que importa realçar.

Dois apresentadores lideravam a desastrosa emissão. A dicotomia homem-forte/mulher-bela era desde logo ameaçada por dois pormenores: Joaquim Monchique no papel masculino e uma rapariga engraçada, cuja identidade não consegui descortinar, como sua partenaire. Nos olhos da dita senhora, uma maquilhagem tipo limpa-chaminés lançava fortes dúvidas sobre se a moça estaria, de facto, viva.

De fundo, aquela característica música de discoteca xunga, que em Portugal é possível ouvir (e impossível ignorar) em lojas como a Zara ou a Bershka. Puxa fecho, «I want your loooove - tchum, tchum, tchum», tenho de pôr a bainha para cima, «ooooh, I want it so much».

Na plateia, empoleiravam-se várias pessoas do mundo da moda (assim se explica que não conhecesse nenhuma). De vez em quando, os mais votados lá saltavam ou eram empurrados dos degraus mal amanhados da pequena sala, para receberem prémios despachados a uma velocidade estonteante.

«E agora, melhor modelo masculino, best male model...»

Musiquinha xunga non stop de fundo, discurso de agradecimento com três palavras, e passa ao próximo. Palavra de honra que nunca vi galardões entregues com tão pouco empenho e tão evidente pressa.

Neste mundo que notoriamente não é o meu, gostava apenas de lamentar que João "Pipo" Catarré não tenha levado para casa o troféu relativo a Melhor Manequim Masculino. No sentido de objecto inerte, estático, que o dicionário da Língua Portuguesa lhe atribui

"s. m.,
boneco, representando homem ou mulher"

penso que era mais que justo.

Bom fim-de-semana!...

segunda-feira, 24 de maio de 2004

Dois quilos em três horas

Quando tenho de pegar no batente às sete da manhã, ponho o despertador para as cinco e quarenta. Os primeiros minutos são de re-habituação ao mundo; só a partir das seis menos dez, seis horas é que abro verdadeiramente a pestana e enfrento a dura realidade. Isto explica, obviamente, a quantidade de nódoas negras que ornamentam as minhas canelas e resultam de encontros mais ou menos imediatos, e madrugadores, com os móveis lá de casa.

Enquanto faço horas para apanhar o 42 das seis e... 42, tento ver o tempo que vai fazer, na Internet dos pobres: o Teletexto. É fácil e, sobretudo, rápido: apenas uma vida inteira para chegar à página 525 e um purgatório no Além para ver as temperaturas que interessam. Depois de me queixar do calor/frio que vai fazer, ainda me sobram uns segundos para espreitar esse mundo que é a Teleshop.

Com a aproximação do Verão, os produtos para emagrecer dominam quase por completo essas animadas emissões. Há tempos, descobri um produto chamado "Peel Away The Pounds": composta por um set de batidos e pensos adesivos, esta é a solução para quem quer deixar de vez as lojas "Olá, Gordinhas" e passar a entrar, sem complexos, na Bershka ou mesmo na Pimkie.

Além de colar um adesivo no braço, os interessados em comprovar a eficácia do produto são convidados a tragar uns estrambólicos batidos: mostram-se imagens fabulosas de americanos a enfardar em centros comerciais, e a ficar sem fome depois de uma goladinha no líquido-mistério. Anseio por uma versão nacional da coisa, com homens de barba rija a abandonarem pratadas de tripas e cozidos à portuguesa por uma amostra de sumo com espuma.

Aquilo que me deliciou, no entanto, foi a frase de alerta que surge no final do anúncio, naquela altura em que se dão números de telefone para comprar os engodos. O "Peel Away The Pounds" não pode ser consumido por grávidas, diabéticos e doentes de Alzheimer. Imagino, doravante, os benefícios trazidos pela mistela a criaturas embrionárias, pessoal com o açúcar a bater no tecto e gente que se esquece facilmente de onde tem de ir quando quer vomitar.

Entretanto, e porque também eu tenho de começar a compensar o tempo que passo no sofá, comprei, outro dia, uma singela bicicleta de manutenção, daquelas em que se pode pedalar despreocupadamente, enquanto se repara quais os sítios da sala que acumulam mais pó, ou se percebe como a música do disco que se está a ouvir e durante a qual jurámos pedalar ininterruptamente é, afinal, mais longa do que pensávamos.



Naturalmente, e depois de alguns dias de treino, estou já a vestir o 34 e a concorrer para figurante dos Morangos com Açúcar. Aquilo para que queria chamar a atenção, no entanto, é que os benefícios do aparelho começam muito mais cedo do que seria de esperar: comprei a bicicleta mais simples, mais leve e mais barata da loja, mas quando a tiro da caixa, vejo que vem desmontada em 300 pequenas peças, que tenho de apertar porcas e parafusos à mão, e que não percebo nada do livro de instruções. Muita asneirada depois, consegui: não sem antes perceber o princípio básico da Engenharia em Portugal («Não estou a ver onde é que isto encaixa... ai, que seca! Bem, fica assim, se cair logo se vê»).

Uma das peças cuja utilidade não fui capaz de descortinar estava no fundo da caixa. Vi-a no fim de montar a bicicleta e era uma jeitosa chave de fendas/parafusos/saca-rolhas multi-usos.

Boa semana!...

sábado, 22 de maio de 2004

Voltei, voltei (mais ou menos)

... só para garantir que ainda existo (e, como tal, ainda vegeto). Os posts fervilham na minha cabeça mas não têm encontrado tempo nem condições para saltar para o écran. Assim, deixo-vos com um pequeno presente, para que se entretenham até ao meu regresso: o verdadeiro, o grande, o desconchavado SOFÁ VERDE (em look de Inverno: desde o começo da canícula, já mandei o cobertor embora, e o leitinho Mimosa deu lugar ao gelado Fruit & Fresh de frutos vermelhos).

Até breve!

sexta-feira, 16 de abril de 2004

Morangos com Açúcar - A planta da(s) casa(s)

Para ultrapassar a barreira dos três milhões de visitantes, aqui fica mais um post sobre o meu híbrido favorito (série ou novela? A polémica existe, mas não deverá impedir-nos de continuar a desfrutar deste magnífico momento diário de televisão-diversão).

A batata viu alguns episódios, esta semana, e tirou uma ou duas conclusões, sendo acompanhada, no elaborado processo de raciocínio, pela sua amiga e room mate, V. Pensemos no Ricardo, o beto alourado meio-irmão do Pipo. Vive numa espécie de pequeno open space, onde quarto, sala de estar e cozinha (indispensáveis para o free loader John aquecer as suas saladinhas) convivem no mesmo compartimento. Quando o irascível dono do apartamento se chateia com alguém que esteja lá por casa -- algo que, a bem dizer, acontece à média de três vezes por episódio -- o que faz? Abre uma portinhola, do lado esquerdo, e esgueira-se por ela adentro. Quererá ficar sozinho, para descomprimir e não ter de ouvir mais os seus enervantes companheiros do mal. Certo. Mas... que divisão é aquela? A casa-de-banho!

Concluímos assim, eu e a V., que o Ricardo ou tem uns intestinos assaz trabalhadores, ou, à falta de outro sítio para descansar, se senta na retrete à espera que a neura passe. Duches de água fria ou sessões de depilação do peito, que anda sempre à mostra, mercê daquelas camisas desabotoadas, são outras hipóteses credíveis.



Isto já para não falarmos no mistério que é a casa do moço estar sempre impecavelmente arrumada. Não sei porquê, cheira-me que o rapaz não deve ser dado às lides domésticas.

Graças à V., entretanto, vim a reparar que a porta da concorrida casa-de-banho do Ricardo é igual à da sala de jantar da professora Constança, onde habita cerca de metade do pessoal docente do Colégio da Barra. Isto explica que nunca vejamos nem o Ricardo no banheiro, nem os amiguinhos da Constança nos quartos (que eu imagino cheios de colchões no chão e beliches empoleirados uns em cima dos outros; não há espaço que comporte tanta gente).

Só mais uma: a Flor, detestável amiga arty do Rui (versão tuga do Wes Bentley em "American Beauty") começou a andar com o Rafa, que, de resto, anda com tudo o que não tenha dono. Depois de sentir ciúmes de Flor, pelo tempo passado com o namorado, Rui, Catarina sente agora ciúmes de Flor, pelos linguados trocados com Rafa.

O coração dos fãs alegra-se: irá Catarina finalmente perceber que a paixão da sua vida é o jovem radical com entradas no cabelo e fita colada à testa?

Eu penso que, tal como, há tempos, Pipo alternava entre Joana e Matilde por não conseguir distinguir as primas, Catarina não quer estar com Rui, nem com Rafa, mas sim com a bela da Flor. Só assim se explica a sua invariável má reacção à aproximação da moça a cada um dos rapazes.

A homossexualidade ainda não foi abordada no frenesim de assuntos que são os Morangos, mas acredito já ter faltado mais.

Entretanto, e à falta de uma foto da menina que anda a semear a discórdia no Bar dos Rebeldes, fica a descrição do meu batato para o seu visual: Christina Aguilera meets Ruth Marlene.

Bom fim-de-semana!...

E se de repente alguém...

Ontem, um dos muitos milhares de leitores anónimos deste sofá viu-me na rua, e, porventura enfadado com o teor lamuriento das minhas histórias e considerações, perguntou-me, do alto do seu banco de jardim:

«Ó menina! Ó menina! Não quer casar comigo?»

Acho que vou reconsiderar a minha postura perante a vida em geral, e a via pública em particular.

quinta-feira, 15 de abril de 2004

A greve, e a garra, da Carris

Como sabem todos os pobres e remediados de Lisboa, a Carris não é flor que se cheire, nem donzela em cuja fidelidade convenha acreditar. Chega tarde e a más horas, lava-se pouco, e ainda se dá ares de grande importância, anunciando a sua falta de comparência várias vezes ao mês. O pior é que, à falta de melhor, lhe sentimos a falta.

Ontem, depois de caminhar de Sete Rios ao Califa, em Benfica (dizem-me que é muito... mas garanto que se faz bem!), e cumprida a minha missão por tais terras mouras, tentei regressar a casa. Visto que a birra da Carris, desta vez, se estendia das 11h às 20h, esperei que aparecessem aquelas camionetas de turismo, conduzidas por divertidos free lancers, que nestas alturas fazem as vezes das mais populares carreiras amarelas e cor-de-laranja.

O substituto do 54 apareceu pouco tempo depois de eu chegar à paragem. Toda contente, subi as escadas, imaginei-me numa excursão por paragens longínquas e esgueirei-me para os últimos bancos da viatura. Passados poucos minutos, o primeiro sururu: cagaçal lá à frente, mas estava demasiado cansada para tentar perceber porquê. Eis senão quando o condutor, na voz mais parolo-castiça que consigam imaginar, faz uso do microfone usado nos passeios turísticos para partilhar connosco os seguintes pensamentos:

«Eu pedia aos xenhores passageiros que desimpedissem as saídas... Quer dizer, se não vão sair, para que é se põem a estorvar a porta?! Com tantos lugares que vagaram há duas ou três paragens... sinceramente, caraças!»

Adorei o assomo de franqueza, com amplificação e surround system. No final da viagem, durante a qual um rapaz se tentou repetidamente roçar em mim, e uma criança berrou que as janelas de uma casa do Príncipe Real «são iguais às do Aladino!!», saí no Cais do Sodré e apanhei o placebo do 15. Camioneta não só de turismo, como de luxo, tinha o piso inferior fechado, o que significa que os passageiros tinham de subir dois lances de escadas para alapar o cu. Lá em baixo, junto ao motorista, seguiam algumas mulheres, divertidas com as graçolas do senhor. Uma espécie de vídeo de hip-hop, portanto, com a diferença de que em vez de limusine tínhamos a camioneta, e senhoras com idade para serem mães das jovens esculturais que geralmente ornamentam esses telediscos.

No Calvário, e sem justificação aparente, o rapaz que conduzia a viatura fez, também, uso do sistema de comunicação, dizendo ao microfone, num estilo jovial e bem-disposto:

«Vá lá, eu sei que isto é chato, mas as greves dão-lhes para isto... Podia dar-lhes para pior... Aproveitem e vão todos juntinhos uns aos outros, está bem? Pronto, obrigado!»

Eu acho que há mais talento de comunicador ao volante de alguns transportes do que nas rádios que os senhores insistem em sintonizar.

Quando chegou a minha vez de abandonar o barco, perdão, a camioneta do amor, pedi ao moço que abrisse a porta, se faz favor, já que não sabia onde estava a campaínha (se é que a havia).

«Não sei se abro!», respondeu ele, rindo trocista, com a cumplicidade das groupies de serviço.

Vi que só me restava entrar na brincadeira:

«Se não quer abrir a porta na paragem, suba ali aquelas travessas e deixe-me à porta de casa, se faz favor».

«Ah, isso não, isso dá muito trabalho!», continuou ele a rir. «Mas não sei se abro, não sei se abro...»

Abriu. Mas não sem antes estender o boné que levava na cabeça e pedir: «Vá lá, dê-me lá qualquer coisinha para a ajuda».



Ainda eu me queixava dos condutores dos transportes alternativos que se limitavam a não conhecer o percurso do autocarro que lhes calhava guiar, com a indicação dos utentes, pelas ruas da cidade.


quarta-feira, 7 de abril de 2004

A relatividade da tacanhez

A minha colega de casota, M. Wee, está zangada. Ou já esteve, há coisa de semanas, e partilhava essa indignação com a Mãe, que lhe ligou a contar que, no cada vez mais inescapável "Morangos com Açúcar", se haviam dito coisas menos simpáticas sobre a terra da Família Wee, Castelo Branco.

Emigrada para a dita cidade durante alguns episódios, a fim de trabalhar na «academia de dança de um amigo», a professora Madalena foi quem gerou toda esta confusão. Ao regressar, além de atazanar a vida do setôr Nuno, explicou que não se dera bem no Interior porque Castelo Branco é «um sítio onde toda a gente fala da vida uns dos outros, um meio muito tacanho».

Aquando do anúncio da partida da ruiva, recentemente virada morena, a minha flatmate foi a primeira a admitir que, em Castelo Branco, era improvável existir uma academia de dança. «Um ginásio e já é com sorte!», riu ela, na ocasião. Mas tacanhez?

Muito coerente, numa novela rodada na verdadeira metrópole que é Cascais. Um meio em que as alunas engravidam do pai da melhor amiga e vão viver com a directora do colégio; onde professores e estudantes frequentam os mesmos bares e cafés; onde há gente que vem do estrangeiro e abanca, sem justificação nem aparente lógica, na casa de pessoal que nem vai com a sua cara; onde as personagens centrais ora não se podem ver à frente, ora, dois episódios depois, parecem ter esquecido o que ficou para trás e passam a ser companheiros para a vida.

Perante este cenário, é difícil imaginar que Castelo Branco é que seja o «meio pequeno e tacanho».

segunda-feira, 5 de abril de 2004

Televisão à socapa

Estava eu ali no café a lanchar quando dei com uma converseta quotidiana-televisiva digna da grande Roda 'Mourinha' Livre.

Uma senhora de fato notoriamente quente para a Primavera que hoje despontou [urros de felicidade] fazia conversa com casal mais velhote. Pais? Veio a perceber-se que não, quando a dama do fato de fazenda fez passageira referência à senhora sua mãe. Amigos dos pais, talvez, que se ofereceram, pelos vistos, para emprestar/alugar uma casa em local «sossegado, muito calminho» para a sua interlocutora poder esticar as pernas durante as férias da Páscoa. Aposto na hipótese do empréstimo, pela familiaridade da conversa e pelo toque do «cafézinho», cuja factura todos disputaram no final. «Olha que simpáticos, deixarem-me passar lá um fim-de-semana... tenho pelo menos que ir lanchar com os velhotes uma tarde destas», terá pensado a senhora.

Mas aquilo que me leva a partilhar convosco o episódio são mesmo as recomendações do casal proprietário à turista to-be:

«Pronto, e a televisão já sabes: para veres os canais espanhóis, é mexer atrás»

A sabedoria anciã é uma coisa muito bonita, e pode beber-se, mas nunca apreender-se na íntegra, com apenas 25 primaveras e meia de vida.

Saudações solarengas!

domingo, 29 de fevereiro de 2004

E batata viu cena de... batatada

Mesmo antes de partir (alguém consegue resistir a completar com «naquela estrada... onde um dia chegaste a sorrir?»), gostava de contar mais um episódio da saga «42 - Viver e Sobreviver entre o Casalinho da Ajuda e o Casal Ventoso».

Pois é, eu não tenho culpa de o ranhoso do autocarro, e seu respectivo percurso, me darem jeito, especialmente quando tenho de me desalapar do sofá e vir trabalhar. Naquela carreira da Carris, experimentei já sensações ao alcance de poucos, como ser acusada por uma chunga em avançado estado de putrefacção de não me desviar para que ela se pudesse sentar mais à larga. Também assisti, há pouco tempo, à conversa entre um ex-segurança, irado por, no barbeiro, lhe terem cortado o cabelo de uma forma que o impedia de, posteriormente, seguir o penteado «da moda»; o seu interlocutor era um senhor de cor indistinta e com três metades de dente penduradas na boca. A sua grande preocupação, porém, era mesmo precisar de cortar o cabelo e não ter roupas suficientemente boas para, um dia que tivesse 70 mil contos, poder convencer os donos de um condomínio de luxo a venderem-lhe um apartamento.

Mas já me estou a distrair do essencial. Na passada Quinta-feira, regressava eu a casa a bordo do luxuoso veículo, quando começo a descortinar o característico som de uma zaragata. Infelizmente, estava bastante longe do epicentro da acção... mas ainda assim, consegui aperceber-me do essencial, e guardar na memória mais uns belos momentos de História.

Zangadas com uma mulher de meia-idade por esta não ceder o lugar a uma jovem com criança, duas raparigas ciganas faziam considerável cagaçal. A senhora, que até ao fim manteve o cu no assento destinado a grávidas, idosos e deficientes, alegava ser velha (ou pelo menos eu penso que era isso que ela dizia, num fio de voz abafado pelo basqueiro geral). Retorquiam as ciganas:

«Velhice não é doença!»

Na mesma voz tímida (ou medrosa?), a mulher argumentava que ter uma criança também não era doença. Lógica interessante, desmontada argutamente da seguinte forma, pela rapariga cigana:

«Não, mas sabe qual é a diferença? Se você for de pé no autocarro e cair, e morrer, não se perde nada! Ninguém se dá pela sua falta! E uma criança não é assim!»

A afirmação foi seguida de um «ôôôh» intenso, como nas sit coms gravadas ao vivo, com muita surpresa e indignação pelo meio. Não sei o que terá respondido a mulher, cujo cabelo tinha umas nuances avermelhadas, mas o passo seguinte da rapariga foi ameaçar:

«Eu parto-te a cara toda, tu queres apostar?»

levantando-se para concretizar a promessa. Agarrada pelos passageiros mais próximos, a moça quis, no entanto, mostrar que não era gaja de se ficar. A agressão concretizou-se, assim, com o que a rapariga tinha, literalmente, mais à mão: um balão da McDonalds, sacudido repetidas vezes na cara da outra.

O belo episódio ficou completo com uma discreta referência à penugem da mulher -- «Ficas com o cabelo azu-le! Tens o cabelo vermelho, mas até ficas com ele azu-le!», gritava a cigana -- e, numa altura em que os ânimos pareciam já ter serenado, a bela despedida:

«Hei de fazer uma reza... vais morrer cedo!»

E com isto me dou por contente por, na única vez que uma cigana me leu a sina, me ter garantido, apenas, que eu nunca iria ter dinheiro.

Até amanhã!

Batata faz publicidade

Quando está afastada do sofá roto, mas não cor-de-rosa, que tem lá em casa, esta batata gosta de escrever, noutros suportes que não o digital. E como também gosta de partilhar (e como está nas lonas), gostava de convidar os cinco leitores e meio (tem havido um crescimento exponencial de visitas) deste blog a (tentar) adquirir uma bela publicação, misto de fanzine e carolice, chamada "Indies & Cowboys". Já vai no sétimo número e tem letras, musiquetas e bonecos na dose certa. Podem encontrá-la nas livrarias Tema (Colombo e Restauradores), Assírio e Alvim (Cinema King) e Barata (Avenida de Roma), bem como na Kingsize e na JoJos, no Porto. São só dois euros.

Eis a capa da última edição:



Obrigada e desculpem lá qualquer coisinha. A emissão prossegue dentro de momentos.

Sofá de todas as cores

Agradecendo os comentários elogiosos dos benfeitores que não só não me criticam pelo tempo passado no sofá, como até (lhe) acham alguma piada, regresso hoje, num Domingo de trabalho, aqui ao cantinho esverdeado.

De outras cores se pintam os programas da manhã das nossas televisões. Já vos tinha falado no fantástico pivot de exteriores da RTP, a quem a Praça da Alegria, não sei se por ausência do Jorge Gabriel, abriu as portas do estúdio, esta semana. As minhas atenções dirigem-se assim, e desta feita, para o "SIC 10 Horas", apresentado pela Fátima Lopes (que outro dia apresentava, também, num sonho que tive, um programa sobre violência doméstica. Mas isso agora não interessa -- mesmo -- nada).

No dito "SIC 10 Horas" (adoro a subtileza do lembrete... não começa nem às 9h, nem às 11h! É mesmo às 10h!), flutua uma rubrica que dá pelo elucidativo nome de "Tertúlia Cor-de-Rosa". Para lhe dar corpo, há um ror de convidados fixos que se alapam frente às câmaras, de microfone na mão e cérebros a mil, para comentar a vida dos outros: mas com a desculpa de, no fundo, não estarem a falar da vida dos outros, mas sim do tratamento que é dado pelas revistas (inevitavelmente cor-de-rosa) a essas mesmas existências, famosas e mediáticas.

Ainda há quem diga que se perdeu o espírito das conversas de café, dos planos intelectuais que se traçavam nos grandiosos salões de chá que, para alegria dos meus olhos e gostos arcaizantes, se continuam a encontrar um pouco por todo o país. Hoje, podem não se orquestrar revoluções nem discutir obras literárias enquanto se «psst-chama» o empregado, mas leva-se o conceito mais além. Na televisão, discute-se a forma como os outros falam de terceiros. Faz lembrar as clássicas caixinhas de fermento royal e sua permanente fuga para o infinito.



Na semana que passou, decidi atentar com mais apuro na tal tertúlia de cor rota. Este é, justamente, o tipo de programa que convém ver mais de uma vez, para nos certificarmos que a coisa existe mesmo, não resultando portanto de um delírio matinal, provocado pela remela que o duche ainda não levou.

Em fila desordenada sentavam-se os comentadores convidados, à excepção de Marta Cruz, de férias em Cabo Verde com a mãe, Marluce. E nada melhor que começar a tertúlia daquela manhã exactamente cortando na casaca da jovem modelo! Ou, para ser mais rigorosa e politicamente correcta, na forma como as revistas de sociedade e televisão falam da menina, atribuindo-lhe paixões que não passam de amizades, ou «climas naturais, entre dois jovens bonitos». E, o que é pior!, bradam as sumidades da imprensa, dando informações contraditórias, em cada uma das publicações.

Conhecendo a lógica (?) que subjaz (??) às revistas que inundam prateleiras de supermercados e estações de serviços de há uns anos para cá, e não sendo propriamente defensora do pardieiro de vidas pessoais e inanidades que enche as capas das ditas, não posso senão achar hilariante que exista um programa para comentar, e criticar, as notícias que as mesmas trazem à estampa.

É curioso que aqueles analistas tanto se indignem com a falta de rigor da informação divulgada, ou com a atenção dada «aos romances» das estrelas, apelando a que se fale mais do seu desempenho profissional... quando a sua própria aparição no "SIC 10 Horas" depende das revistas zurzidas.

Faz-me pensar num abutre a lamentar a quantidade de gente que se perdeu no deserto e a cujas carcaças teve de dar um gastronómico destino.

O que vale é que, mesmo que o "SIC 10 Horas" não tivesse dado à luz a "Tertúlia Cor-de-Rosa", comentadores da estirpe da modelo Raquel Broegas (*) ou do cabeleireiro Eduardo Beauté (quem?) teriam, graças aos seus reconhecidos méritos, lugar garantido em qualquer programa de grande audiência.

(*) Também não sei quem é, mas, surpreendentemente, o tema que mais a fascinou, naquela manhã, foram os múltiplos namorados da Marisa Cruz, num espaço de poucos meses. «Eu começo a pensar que se trata apenas de uma manobra de marketing», vaticinou a parte completamente desinteressada.







sexta-feira, 13 de fevereiro de 2004

Sofá Gold

Esta batata tem andado aos caídos, com tanto trabalho. Nem tempo para espreitar as vistas do sofá arranja... mas como não quer ter a barraca digital às moscas, lembrou-se de inaugurar uma nova rubrica. Apresento-vos, pois, o Sofá Gold, um espaço dedicado às nossas melhores/piores memórias televisivas. Quando não houver matéria-prima mais fresca, vai-se ao congelador e pesca-se meia dúzia de petiscos, em bom estado de conservação, mas a precisar de arejar.

Na minha última visita ao Norte, tive a oportunidade de passar mais de meia hora num autocarro da STCP, a empresa que transporta o povo do Porto e arredores. Para chegar da Invicta a Santo Ovídio, não só demorei quase uma hora, como me contorci de riso, graças a uma dupla de mulheres, piores que os velhotes dos Marretas, com um discurso imparável e mais divertido do que alguma vez elas terão pensado. Já aqui tinha falado nesta teoria, mas cada vez se me afigura como mais verdadeira a ideia de que o humor é tanto melhor, quanto mais involuntária é a sua criação. Adiante.

A converseta das senhoras fez-me lembrar a brilhante intervenção, há coisa de dois (?) anos, de uma utente da mesmíssima empresa, no telejornal da RTP. Tinha havido uma colisão entre dois autocarros, na baixa do Porto; assustados, alguns passageiros contavam à televisão como acontecera o acidente, se tinham sofrido ferimentos... o habitual. Eis senão quando chegam os cinco segundos de fama de uma mulher, que se havia escapulido do veículo pela porta do meio do autocarro (são aquelas viaturas bem compridonas, com três portas, em vez de duas).

«E os autocarros bateram, e eu saí pela porta do meio...», contava, um pouco exaltada, a senhora.

Quer então o repórter saber como se processara a chegada da polícia, ou das ambulâncias, ao local do acidente. Responde a entrevistada, no mesmo tom high pitched, mas sem perder a naturalidade:

«Bem, isso não sei, porque ao sair do carro escorreguei nas folhas e nessa altura já estava na valeta!»



Isto pode não ter muita piada agora (digo eu, a lutar contra o riso, no local de trabalho), mas na altura deixou o Sofá Verde e suas habitantes em delírio. Curiosamente, poucos dias depois, esta batata partilhou umas boas gargalhadas com a sua irmã, aquela trocada à nascença, de quem falei no thread sobre o "Quem Quer Ser Milionário".

Falava-se, na TVI, de um padre milagreiro que, entre outras boas acções, devolvera, numa qualquer aldeola portuguesa, o dom da fala a uma senhora que, durante anos a fio, nada dissera. Naturalmente, a mulher nutria pelo pároco (nunca mais me esquece que tinha o nome da melhor voz da TV portuguesa) uma forte devoção. Dizia ela que só os préstimos do senhor (Senhor?) lhe tinham dado de volta a voz, depois de anos de curas e tratamentos sortidos. Pergunta-lhe a jornalista, provavelmente a título de curiosidade, qual a primeira palavra pronunciada, após tanto ano de silêncio.


(Pensem no vosso caso... diziam o nome do vosso batato? Um "aleluia!" sonoro e apropriado? Uma impaciente caralhada tipo "até q'enfim, foda-se!"?)

Agora imaginem a cara sorridente da amilagrada, a arreganhar a tacha e revelar a primeira palavra depois do jejum:

«Foi 'lixívia'!!!»

Bom fim-de-semana!

terça-feira, 10 de fevereiro de 2004

Avanços da Medicina, em versão recauchutada

A batata às vezes testa as histórias em amigos. Se eles não gostam, volta para o saco guardado debaixo do guarda-louças. Se se riem, atreve-se a saltar para a frigideira e partilhar os salpicos do óleo com quem de direito. A narrativa que se segue é por demais conhecida de muitos que a irão (?) ler, mas não resisto a passá-la para um registo mais palpável e abrangente que a conversa à mesa do café.

Nessa verdadeira instituição que é o Jornal da TVI, onde os pivots se referem às crianças como «miúdos» e aos idosos como «velhotes», uma notícia verdadeiramente insólita teve honras de destaque na edição de Sábado. Uma senhora, dos seus 50 e tal anos, queixava-se de ter ido na cantiga de um falso médico, que lhe entrou pela casa dentro, oferecendo-se para lhe fazer um rastreio gratuito ao cancro da mama. Nesta, mesmo eu, que sou lorpa com carteira profissional, era incapaz de cair. Mas a pobre mulher abriu a porta de sua casa, e os botões da blusa também, deixando que o charlatão de modos elegantes lhe apalpasse as mamas (será que esta história passava na TV americana? Com o escândalo da Janet Jackson, andam todos muitos sensíveis...). Encantado com a saúde da senhora, o homem terá mesmo dito que a "paciente" tinha «uns mamilos muito bonitos para a sua idade», frase que, quanto a mim, lhe permite entrada directa para o panteão dos criminosos mais divertidos dos nossos tempos.

Só quando o prestável doutor regressou ao local do crime, oferecendo-se para um segundo exame, é que a mulher, e o seu marido, desconfiaram. O homem fugiu, quando o cônjuge enfurecido tentou anotar a matrícula da sua viatura. A polícia diz nada poder fazer, já que a senhora permitiu a entrada em sua casa do trafulha. A minha parte favorita, no entanto, foi a confissão da lesada às câmaras da TVI (em horário nobre, recorde-se):

«O meu marido ficou muito mal. Até me disse: 'Ó mulher, tu não contes isto a ninguém!'»

Passem a palavra: rastreio sim, mas nem por satélite nem ao domicílio.



Sofá com a lágrima ao canto do forro

É um privilégio poder escrever apreciações inanes sobre programas palermas e receber palavras de incentivo à conta das mesmas. Agradeço-vos a fidelidade e os comentários mai-recentes, e vou fingir que não sei que só chegaram aqui porque passam a vida a pesquisar, no Google, por Morangos com Açúcar, Anjos e afins.

Depois da provocação amigável do dia, alguns considerandos. Quer-me parecer que há quem tome este cantinho como espaço de devoção exclusiva à bidiária novela da TVI. Ora, por muito que goste da fauna do Colégio da Barra, dificilmente a paixão é monogâmica, e há outros assuntos a debater neste blog. Neste momento, como não me ocorre mais nenhum, vou voltar a falar do digno sucessor dos "Riscos", como bem lembrou o Marcos, em comentário abaixo.

Recentemente, as revistas da especialidade noticiaram uma viagem romântica, nas férias da Páscoa, de Pipo e Matilde, rumo à Serra Nevada. Haja dinheiro! Quando a batata andava no Liceu ia, quanto muito, para as esplanadas das praias de Gaia, se em Abril já fizesse sol. Mas adiante. Chegado à estância de neve, o casal passa uns belos dias de romance, até que uma perseguição, movida pela implacavelmente enjoada Joana

( a do meio: )

faz uma baixa. A Matilde, aka sporty strawberry, irmã da Lúcia Moniz e prima da Joana, vai pela ravina abaixo, passa a noite no hospital, toda escangalhadinha, e dá a Pipo a oportunidade ideal de voltar para os braços da sua ex. Repare-se como, a imagens idílicas de uma grande paixão entre o primata e Matilde, se segue um acidente aparatoso e um rápido regresso à relação anterior.

Na minha opinião, não se trata de desapego ou falta de fidelidade, por parte do protagonista da série. Simplesmente, Pipo, autor de notáveis cálculos mentais (outro dia, ao balcão, concluiu que cinco euros mais cinco euros são dez euros), tem as suas limitações, e não fez mais que confundir as primas. Vamos lá a ver o que acontece quando Matilde recuperar a forma.

domingo, 1 de fevereiro de 2004

O Sofá Verde começa por pedir desculpa pela longa ausência. Curiosamente, esta batata tem estado tudo menos sentada, a ver os bonecos a passar -- o começo de ano tem sido animado, ainda que pouco animador, e as coisas que a televisão tem escolhido para passar dão(-me) mais vontade de chorar do que de rir, e aqui partilhar essas gargalhadas.

Esta batata arrepiou-se até ao último tubérculo com as imagens, faz hoje uma semana, da queda de um futebolista de um clube que não é o seu, mas que, naquele momento, a fez tremer como se de um amigo de longa data se tratasse. Achei bonita, se bem que estranha, a solidariedade unânime causada pelo seu súbito desaparecimento, e andei uns dias a pensar nisto. Ontem, quando me acordaram para dizer o que o treinador de outro clube (que também não é o meu) diz-que-disse sobre um jogador de ainda outra equipa (que, juro que não estou a gozar, também não é minha), concluí que o luto devia ter sido levantado. E de cabeça pouco erguida, porque antes a dignidade sóbria de antes que a palhaçada circense de hoje, lá me arrastei de volta ao Sofá.

Com pouco para contar, mas algumas coisas a merecer um alerta máximo: no "Morangos com Açúcar", esse anti-depressivo que a TVI agora me serve em dose dupla, personagem completamente maléficas deram à costa do Colégio da Barra. Ao aprendiz de Sapinho junta-se agora a filha perdida da Professora Constança (Samarinha, estou contigo! Tantos "oh querida" também me põem a cabeça em água...), uma miúda abandonada à nascença, e quase dá perceber porquê. A gaja tem o condão de ser mais irritante que metade das outras personagens juntas, ou que a mania de o filho da Helena Isabel ajeitar os óculos com as palmas das mãos abertas. Está sempre enjoada, viveu nos EUA mas não tem sotaque, aparte um ocasional e mal esgalhado «OK, you know...» e abre-me o apetite para a cacetada. Fez, no entanto, a boa acção de mandar o Ricardo (beto mais acalorado da história) dar um mergulho num lagueco qualquer, disseram-me ontem. Se não soubesse que os dois hão-de acabar juntos, a carpir maldade pelos cantos de uma qualquer escola profissional, não lhe(s) tinha metade do pó actual.

Mas porque se faz tarde, e não quero que vos falte nada, o mais importante aviso é: hoje (1 de Fevereiro), os Anjos vão actuar no Colégio da Barra! E foi a própria (barra -- trocadilho foleiro, mas saiu-me) que o anunciou: numa tentativa de salvar a escola da perdição (o Sapinho fez publicar uma notícia na qual se diz, e com propriedade, que o colégio tem uma directora ex-tocicodependente, um professor tarado, outro assassino, e um aluno de passado criminoso), o Rafa arranjou um espectáculo... para angariar dinheiro... e quem melhor para agradar à chavalada de uma escola secundária de Cascais que os Anjos?

Olé, TVI e reciclagem de artistas em novelas, Olé!

Prometo um regresso, em breve, e em melhor forma. Até lá... Vão imaginando gente como esta:



a ouvir isto:

sexta-feira, 9 de janeiro de 2004

Sofá em Festa

Esta batata está delirante. Ultrapassou a barreira dos três leitores (contando comigo, que sou meia) e já recebe feedback. Um grande bem-haja, pois, à amiga que forcei a visitar este blog, e que na resposta/retaliação, me mandou a mais valiosa das contribuições: fotos do Hélder Reis, grande protagonista do post "O Rei da Festa". Ela aproveita também para dizer que, há tempos, a própria Mãe da jovem esperança televisiva ligou para a "Praça da Alegria", onde ele labuta, assegurando que o filho sempre foi «um menino de ouro». Mas vamos às fotos, que é o que faltava ao post, lá mais em baixo. Saravá, Miss Wee!...







Apesar das parecenças com o Marco Paulo e/ou o típico concorrente do "Big Brother", é mesmo ele. Na "Praça da Alegria" tem um ar mais caseirinho e os tais cachecóis acetinados para os quais alertei, aqui.

Bom fim-de-semana!...

Do sofá para o assento

Nem sempre a batata está no sofá. Este Natal, por exemplo, teve de se levantar cedo, no dia 27, para ir à Baixa do Porto trocar uns sapatos. Pequena estatura, mas pata larga, dirão alguns. Ao atravessar a ponte, de Gaia para a Invicta, avistei a origem da confusão mental do concorrente do "Quem Quer Ser Milionário", glosado no post abaixo: rapazes a fazer canoagem. E ainda eu me queixo por ter de caminhar quase duas horas, à chuva, para encontrar uma sapataria e outros estabelecimentos! Há quem se levante para ir remar para o Douro, um habitat tão frio como badalhoco, pelo menos naquela zona do seu percurso.

No regresso para a Margem Sul, o condutor veio em franca e animada converseta com um seu conhecido, instalado numa das primeiras cadeiras da camioneta. Comes e bebes, mas sem a parte do comes, eram o prato principal da suculenta conversa. «Se tu ali ao café é pela garrafa, imagino em casa! Só pode ser pelo garrafão!», alvitrava o passageiro. «Mas tens dúvidas? Claro que é!», confirmava o condutor, aparentemente sóbrio, enquanto passávamos a Ponte do Freixo (e Deus sabe que, se há coisa que eu detesto, é atravessar pontes, quanto mais com condutores bebedolas ao volante).

Mais à frente, viria o senhor a confessar que, naquela manhã, já tinha bebido «três cafés e três bagaços. Cheguei à Batalha às 7h, pumba! Depois em Crestuma, chamaram-me para ir tomar um café, outro!». Do terceiro café e anexo bagaço já não me recordo do cadastro, mas estaria, naquela altura, a fermentar algures no ensopado organismo do condutor.

«Mas eu nem bebo muito!», ia intercalando o nosso herói, que não é da televisão mas cujas proezas davam um filme. A páginas tantas, começa a partilhar com o povo que ia na camioneta (três ou quatro gatos literalmente pingados, mais o interlocutor directo da conversa) os seus planos para o dia seguinte, um Domingo:

«Por exemplo, amanhã vou comer a casa da minha sogra, e é feijoada, uma comida que puxa muito a bebida!»

Comecei a achar que a conversa tinha grande potencial para descarrilar ainda mais.

«Eu, sempre que como feijoada», dizia o condutor do chaço velho, «à noite, lá em casa, parece a Guerra do Iraque! PUM PUM PUM!», ilustrou, não satisfeito com a nauseabunda comparação.

Do outro lado da conversa, o silêncio (de fundo, as minhas gargalhadas abafadas).

«Então, não gosta de feijoada?!», indignou-se o condutor, perante a falta de resposta do companheiro.

«Gosto, gosto...», balbuciou o outro. Como diz o meu batato, um dia que o lixo reciclado de países como a Alemanha e a Turquia (!), usado nas camionetas daquelas empresas, dê de si às mãos de uma esponja ambulante, as entidades (ir)responsáveis hão-de abrir «um inquérito para apurar todas as responsabilidades». Até lá, este senhor que já deu de comer a não sei quantos milhões de portugueses vai continuar a fazer a desgraça de outros tantos.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2004

Antenas soltas

O Natal e o Ano Novo são belas ocasiões para aterrar no sofá; para escrever em blogs, nem por isso, já que o tempo nos chama para as labaredas de uma lareira acesa, na casa de férias, sem computador nem saudades de teclar. No regresso ao trabalho, a vontade de contar as últimas descobertas fala mais alto, mas as férias, intermináveis, dos colegas de barraca nem sempre ajudam ao regresso à forma. Ficam aqui, então, algumas historietas palermas, em formato post it.

Gosto muito do "Quem Quer Ser Milionário". Gosto, é como quem diz. Dá-me o mesmo prazer inquieto que um filme como o "Mystic River", por exemplo. A música irrita-me (que xaropada, ó Clint Eastwood!), o suspense dá-me cabo dos nervos, enervo-me com a burrice dos participantes, mas não deixo de ver até ao fim, sempre que posso.

Posto isto, devo confessar ter a certeza que, se fosse ao concurso e, por obra de um qualquer milagre, passasse à segunda eliminatória, nem à pergunta «Qual é o seu primeiro nome?» seria capaz de responder. Aquela história de as câmaras de televisão intimidarem não é verdade, é um eufemismo. Estar a falar na tê bê é um atrofio generalizado, de não saber para onde olhar, como falar, se gesticular... Recomendável a masoquistas ou pessoas com um feitio diametralmente oposto ao meu. Mas adiante.

Antes do Natal, um rapaz parecido com o namorado da minha melhor amiga fez um brilharete no "Quem Quer Ser Milionário". Levou para casa 100 contitos, o que me parece francamente mais do que merecia. À primeira pergunta, precisou da ajuda do público para decidir se o arroz era um cereal, uma vagem, um legume ou uma semente. Boa parte da assistência não tinha certezas, também. Passado este começo arenoso, o concorrente chegou de forma misteriosa -- e à qual não assisti, por estar na cozinha -- à  marca dos 500 euros. E a pergunta para atingir essa maquia, tão simpática como útil, nos dias que correm, era: «Qual o nome das embarcações típicas do Rio Douro?»

Não saber que esta coisa



se chama barco rabelo, é aceitável (num contexto um pouco alienígena, mas é). Achar a hipótese «canoas do Douro» a mais tentadora, surpreendeu-me. Ignorar consecutivamente as dicas do Jorge Gabriel, que até as «Canoas do Tejo», de Carlos do Carmo, entoou, de forma a ensinar ao concorrente que uma coisa é esse rio, e outra o Douro, exasperou-me. Teve o senhor de recorrer à ajuda dos 50/50, que, maliciosamente, o deixou com as hipóteses: canoas do Douro e barcos rabelos. O homem insistia, tinha mesmo a impressão que eram canoas do Douro, aqueles barquitos que via, de cada vez que ia ao Porto... A esta hora já eu me contorcia no sofá; no dia seguinte, fui a casa da minha octogenária senhoria, pagar a renda, e soube que também em casa dela a agitação fora grande. «Se o meu marido, que era uma pessoa tão culta, fosse vivo...», imaginava a idosa, enervada.

Não fosse o Jorge Gabriel apelar à calma, quando o homem queria bloquear as canoas, e tinham os 500 euros ido por água abaixo. Valeu-lhe a sapiência da Mãe, a quem telefonou para resolver a azucrinante dúvida. Se fosse meu filho levava uma lapada, ao chegar a casa. No dia seguinte perdeu, por teimar que o António Vitorino era Secretário-Geral da NATO.

Já em pleno ninho familiar, assisti a outro momento para a história do "Quem Quer Ser Milionário". Um arquitecto de bigodes retorcidos foi ao programa para mostrar ao Jorge Gabriel como era esperto. A cada pergunta, por mais simples que fosse, dava uma resposta supostamente espirituosa e irritantemente longa. Se lhe perguntavam o que significava a bandeira a meia haste, virava-se para o apresentador e retorquia: «Andou na tropa?» Nestas alturas, o Jorge Gabriel deve pensar nos tempos da "Roda dos Milhões": põe o seu melhor sorriso e responde que sim senhora, esteve lá um ano e meio. «Pois é», dizia o outro. «No meu tempo a bandeira a meia haste era uma coisa curiosíssima, decidida por decreto-lei...», yadda yadda yadda. Quem era uma das protagonistas do "Thelma e Louise?" «Ah, esse filme, com um fim tão...», divaga o concorrente. «Surpreendente?», tenta o Jorge Gabriel rematar. «Não! Sabe que, desde o começo, eu vi logo que aquele era o único final possivel, porque...», yadda yadda yadda.

À segunda pergunta, já o homem tinha conquistado uma forte falange de inimigos, lá por casa, numa união familiar só possível por alturas do Natal, e visando a desgraça de alguém. Já não sei qual a pergunta que fez claudicar o detestável concorrente, mas lembro-me dos urros de felicidade partilhados com a minha irmã, personagem com a qual, de resto, só costumo partilhar os genes, e é porque tem de ser.

Nos próximos episódios: "Tiroteio A Bordo" e a Guerra do Iraque, vista pelos condutores das camionetas de Oliveira do Douro

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