Eu até gosto de listas: por toda a sua subjectividade, futilidade e inutilidade, tenho-lhes carinho. Mas confesso que, neste final do ano, já não aguentava a edição de mais um top com os melhores discos, canções ou fenómenos da temporada. Só para não dizer que não piquei o ponto, contudo, e porque há sempre duas ou três pessoas que gostam de saber quais os discos que mais ouvi, aqui ficam, de cabeça e sem ordem rigorosa, os álbuns que, nos últimos 12 meses, mais facilmente encontraram lugar no meu coração algo lotado.
Marcelo Camelo - Sou/Nós
Saiu em Janeiro e comecei a ouvi-lo ainda em 2008. Mas não há burocracia que resista a canções da laia de «Copacabana» (perfeita buarquice), «Menina Bordada» (a mais ternurenta do ano) ou «Tudo Passa». Sempre num Brasil sub-aquático e de aguarela, onde a voz não precisa de ser mais do que um veículo de doçura e honestidade.
Elvis Perkins - Elvis Perkins In DearlandO primeiro disco, «Ash Wednesday», não era perfeito mas mostrava queda para as letras cuidadas e o estilo narrativo, num sonho sempre pop-folk. Em 2009, com «Elvis Perkins In Dearland» e uma banda a abarrotar de sopros, acordeões e outros arcaísmos, este moço tímido e vagamente místico fez aquele que é, provavelmente, o meu disco do ano. «I Heard Your Voice In Dresden» tornou-se, da primeira vez que a ouvi, a vencedora incontestável. Mas «Doomsday» e «Hey», como pudemos comprovar ao vivo nas eufóricas versões em Nova Iorque, ou a delicodoce «Hours Last Stand» (romance retro à moda de Richard Hawley) também se destacam num disco que é, à falta de melhor descrição, lindíssimo.
Edward Sharpe and the Magnetic Zeros - Up From Below
Metade «Elvis Perkins In Dearland», mas com um esgar mais burlesco e surreal, metade psicadélico-aguado, a fazer lembrar as valsinhas do Patrick Watson, eis a estreia do ano. Ao vivo parecem ser uma cambada insuportável de friques sem lâminas de barbear em casa, mas ouçam «Home» até ao fim (o diálogo ele-ela é das coisas mais adoráveis deste lado do calendário) e descubram a minha banda-revelação de 2009. Melhor música para andar de comboio, ponto.
Mayra Andrade - Storia, StoriaLindíssima, inteligente e capaz de responder à aclamada estreia de «Navega» com um «Storia, Storia» de excelência. Não é Mayra Andrade quem quer, e esta miscelânea de África, (muito) Brasil e alguma Europa rendeu a 2009 algumas das suas canções mais perfeitas, de perfumadas e requintadas, mas sem nunca perder o Norte ou a autenticidade. O tema-título, «Carrossel», «Joana»... a navegação é segura e prazenteira, da primeira à última faixa.
Neko Case - Middle Cyclone
Há pelo menos três álbuns que esta mulher faz canções com iguais doses de garra, delicadeza e caneta nos sítios certos. «Middle Cyclone» tem tudo: fôlego conceptual, a fidelidade às causas do costume (Natureza, corações partidos), canções de bradar aos céus («This Tornado Loves You», «People Got a Lot of Nerve») e Aquela Voz. Mesmo que um dia falhe, irei ficar do seu lado. Mas ainda não foi desta, Neko.
Sean Riley and the Slowriders - Only Time Will TellEm 2009, já não se aplica - ou não devia aplicar - o chavão do «ao nível do que se faz lá fora» para elogiar discos feitos no rectângulo. Mas quando uma banda do eixo Coimbra-Leiria faz, apenas ao segundo álbum, uma obra que tranpira América por todos os poros, é inevitável que o mencionemos. Independentemente da origem, «Only Time Will Tell» é tão simplesmente um dos melhores conjuntos de canções que ouvi em 2009. «Walking You Home», «Houses and Wives», «Hold On», «Buffalo Turnpike» e muitas mais falam por mim.
Também no Quadro de Honra:Arctic Monkeys - Humbug: o que perderam em apelo juvenil, ganharam em charme negro e serpenteante. Só por «Cornerstone», a melhor combinação de música + vídeo + vocalista amoroso do ano, mereciam uma menção.
Mark Eitzel - Klamath: não vou tão longe como a Uncut, que o considerou o melhor disco a solo do barbudo, mas se formos a ver bem está aqui tudo o que é preciso: a voz dele, algumas óptimas canções («Blood On My Hand», «I Miss You»...), a voz dele. Não lhe peço mais nada: só que regresse a Portugal, para poder vê-lo em concerto pela sexta vez. Porque é em palco que ele é ainda maior.
VA - Dark Was The Night: um dos raríssimos casos em que a música é tão boa como a intenção. Na compilação dupla com fins beneméritos posta a andar pelos manos Dessner está não só a fina flor do indie americano dos anos 00, como a melhor canção dos National em algum tempo, «So Far Around the Bend». Mais uma vez, não lhes peço mais nada.
Norah Jones - The Fall: há duas formas de interpretar esta minha escolha. Ou estou realmente a deixar-me envelhecer ou esta moça fez o disco certo para a minha altura errada. Lânguido e indeciso entre o derrotismo e a luta, soube-me que nem ginjas e palavra que gostava de aplaudi-lo ao vivo.
Yeah Yeah Yeahs - It's Blitz!: dispenso as «canciones lentas», como diria o Mike Patton em Santiago do Chile na digressão do King For a Day... Mas ligados à electricidade, em «Zero» ou «Heads Will Roll», os Yeah Yeah Yeahs salvam a cara do «novo rock» durante mais uns meses. Salvé, Karen O.
JP Simões - Boato: um disco ao vivo, é verdade, mas talvez um dos melhores que o homem dos Belle Chase Hotel e Quinteto Tati já lançou. As canções clássicas, a elegância e o estilo, a voz impecável, vários inéditos «perdidos», o Brasil ao fundo - está tudo aqui, concentrado e inadulterado numa actuação sem espinhas.
Minta - Minta and the Brooktrout: Ela, Francisca Cortesão, não nega a inspiração de cantautoras de estampa internacional como Laura Veirs, mas há nesta moça, que eu já trazia debaixo de olho desde o EP «You», bem mais do que isso. Há uma voz, para começar, bem firme e madura; há um universo (introspectivo e confortável) e há canções como «Large Amounts», digna de figurar em qualquer compilação de melhores do ano.
Para acabar de vos moer o juízo, deixo ainda
os discos de 2008 que não abandonaram o meu leitor de MP3 em 2009 (ou porque só os descobri este ano, ou porque simplesmente não fui capaz de separar-me deles):
Department of Eagles - In Ear Park: talvez o disco que mais ouvi este ano. Mas quem é que precisa dos Grizzly Bear quando um dos homens dessa banda querida dos fazedores de opinião tem um projecto paralelo desta categoria? É algo que me escapa - basta-me ouvir as três primeiras cantigas do «In Ear Park» para me sentir transportada para outra realidade qualquer, cortesia daquelas cordas e vozes oníricas. E eu nem sou nada dessas mariquices.
The Walkmen - You and Me: um clássico do amuo, do descontrolo emocional, da ânsia de explosão. Um clássico do meu 2009, portanto. Felizmente ainda os consegui ver uma segunda vez com este disco, ainda que sob o sol impiedoso do Verão lisboeta, pouco adequado a canções como «In The New Year» (um clássico dentro do clássico, por assim dizer).
The Acorn - Glory Hope Mountain: garotos do Canadá contam a história da mãe do vocalista: uma complicada fuga das Honduras que, em canções como «Crooked Legs», soa comovente mas sempre muito doce e cheia de amor. O melhor disco para trabalhar e o melhor de uma estirpe de pop-folk onde incluo os Noah and the Whale, os Mumford and Sons ou os Fanfarlo...
Firekites - Bowery: O disco que os Kings of Convenience deviam ter feito este ano? Não desgostei do «Declaration of Dependence», mas estes novatos australianos comunicaram comigo de forma diferente: com mais verdade e vontade, talvez. «Last Ships» foi uma das músicas das minhas primeiras férias do ano, já íamos em Setembro...
E ainda: Alela Diane (Alela & Alina), John Vanderslice (Romanian Names), Norberto Lobo (Pata Lenta), Andrew Bird (Noble Beast), M Ward (Hold Time), Tiguana Bibles (Child of the Moon EP), Mazgani (Tell The People EP), Bat For Lashes (Two Suns), Noah and the Whale (The First Days of Spring).
Bom 2010 a todos!