Não será a forma mais saudável de começar o novo ano, repescando velhos ódios de estimação. Mas, sobretudo agora que já paguei a minha dívida à sociedade, arrumando a casa, não posso deixar de escrever uma pequenita nota sobre a «entrevista» da Marta Leite Castro ao Herman José, esta tarde no Só Visto.
Bem sei que estes encontros devem ser, tanto quanto possível, falhos de qualquer confrontação ou desconforto. Que tudo não passa de um grande, por vezes hipócrita, elogio da vida e obra (por muito irrelevante que esta, frequentemente, seja) de quem se senta na cadeira do convidado.
Mas, mesmo assim, custou-me ver como, quando o próprio Herman enveredava por assuntos «difíceis» (a referência velada ao envolvimento no escândalo da pedofilia, na menção à depressão da mãe; a admissão da queda de popularidade nos últimos anos), a Marta Leite Castro (já sabemos: olhos de Bambi, carinha de «não está ninguém cá dentro») chutasse para canto de forma praticamente insultuosa.
No primeiro caso, a intervenção foi cortada a talho de foice na edição (e musicada com um sonzinho alegre, como se a depressão da mãe e os processos judiciais fossem assuntos joviais). No segundo, a própria Marta Leite Castro se encarregou de cortar o discurso do entrevistado, referindo-se despreocupadamente às vozes que dizem que Herman perdeu a piada como «essas coisas parvas!», ou inanidade afim.
O pior de tudo ainda terá sido a única «provocação» que a rapariga lançou ao convidado. Vida pessoal? Orientação sexual? Desorientação profissional? Qual quê. «O IMBD diz que és o maior humorista de sempre em Portugal, concordas?». Ah, bela provocação! Nem sei como ele não ruborizou.
Posto isto, há que dizer que o Herman José foi, em tempos idos, um dos meus grandes heróis. E que ainda lhe tenho, provavelmente graças a esse passado glorioso, um carinho e um respeito residuais que, ingenuamente, me levavam a esperar mais da «entrevista». A culpa nem foi dele, apesar de tudo um homem astuto e inteligente, entrevistado carismático e exímio contador de histórias. Mas sim daquela que, quando ele se referiu aos jornalistas chatos que de tanto insistirem conseguem que lhes respondam às perguntas aborrecidas, o sossegou dizendo, entre risinhos: «Descansa que eu não tenho perguntas dessas!». Nem dessas, nem de outras. O vazio absoluto é cada vez mais constrangedor, dentro daquele shou e, pelo que se vê no mesmo, daquelas cabeças.
Há 13 anos
3 comentários:
A julgar pelas intervenções divertidíssimas dos entrevistados nas reportagens de local, o vazio absoluto é mal generalizado nas cabeças do "showbiz" (uso aspas para não usar o termo pseudo) português.
O programa é o que é: entretenimento fácil para tardes de Domingo. Mas custa-me que ela se ponha em bicos de pé a dizer «repara como eu não faço perguntas difíceis! Eu não sou como os maus dos jornalistas!», ou insinue que quem critica o Herman não tem legitimidade para o fazer. Assim só se perpetua a imagem do jornalista como entidade maléfica, bem como a ideia de que quem critica só o faz porque tem uma agenda oculta ou «inveja». E as entrevistas, sobretudo no mundo do entretenimento, passam a ser, cada vez mais, lugares de bajulação, promoção e até mesmo masturbação. Nesse aspecto tiro o chapéu a publicações como a revista Sábado ou o jornal i, que tentam novos ângulos de abordar os mesmos assuntos de sempre e entrevistar alguns figurões da nossa praça com bem-vinda frontalidade.
o Herman estava disposto a falar de tudo, com humor, frontalidade e inteligencia... mas... imagino que a "obra de encomenda" preveja um espaço vazio de tudo o que seja polémica... é o que temos ! de qq maneira, acho que só o Herman é que pode fazer um talk show na RTP verdadeiramente abrangente como fez há 10 anos no São Luiz... fui espectadora de quase todos !
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