quinta-feira, 10 de junho de 2010

Mitos Urbanos e Boatos

Cientes da minha triste atracção pelo disparate, a Rute e o Miguel decidiram, no mais recente 27, congratular-me com o livro Mitos Urbanos e Boatos, da jornalista da SIC Susana André.

Desengane-se, porém, quem imaginar que nas quase 300 páginas desta obra a autora se limita a encarreirar aquelas patranhas que, ao longo dos anos, nos habituámos a ouvir da boca de conhecidos ou a tresler nos e-mails de imediato apagados (*). Há aqui toda uma contextualização sociológica do fenómeno, tão antigo como a má língua humana, que nos explica, por exemplo, que a ambiguidade e o interesse pessoal são a água e o substral dos boatos; que as versões fantasiosas negativas circulam com maior velocidade que as petas positivas; que muitos dos mitos urbanos ocupam na sociedade contemporânea o nicho e a função dos arcaicos contos de fadas e fábulas populares.

Para vosso deleite deixo só dois exemplos castiços: um sério, a espelhar a sólida investigação por detrás deste livro, e outro obviamente pantomineiro.

«Não será o mito jesuítico o reverso do mito sebástico português?», questiona José Eduardo Franco. «Enquanto no mito do sebastianismo projectamos numa pessoa, numa entidade mítica, a possibilidade de realização das aspirações colectivas, no mito jesuítico projectamos as nossas desilusões e desenganos. A esta entidade negativa é dado um carácter expiacional onde os insucessos e os males da nação são projectados e expiados», conclui o investigador. (p. 263)

Nesta passagem do capítulo sobre os extraterrestres, enternece-me acima de tudo a desproporcionalidade de dimensões e meios de combate entre o primeiro exemplo (internacional) e o segundo (de, erm, Valongo).

«Em 1980, os quase dois mil soldados em formação na base aérea de La Joya, no Peru, terão visto um objecto imóvel no ar. Alfonso Santa María, piloto reformado das Forças Armadas peruanas, recorda que recebeu ordens para descolar no seu avião a jacto e disparar contra o objecto esférico que se encontrava no espaço proibido sem autorização (...). Conta que se aproximou do engenho e disparou 64 obuses de 30 milímetros. Garante que alguns acertaram em cheio, mas não tiveram qualquertipo de efeito (...). O antigo piloto descreve-o como algo semelhante a um globo e admite que o assunto ainda hoje lhe "provoca calafrios"». (p. 266)

vs

«Em Portugal, a história mais mediática aconteceu dez anos depois, em Alfena, Valongo, onde várias pessoas terão avistado um estranho elemento em forma de betoneira que descia dos céus. Contam que, à medida que se aproximava, o aparelho começou a descer umas pernas, como se tencionasse aterrar, e garantem que o medo levou algumas testemunhas a atirar pedras ao objecto».

Feliz Dia de Portugal!

(*) - ou talvez não. Aparentemente, os e-mails sobre ovos de baratas que eclodem na língua das pessoas e outras impossibilidades científicas (devidamente esclarecidas neste livro) acabam por fazer a vida negra aos médicos e investigadores cujo nome é, na maior parte das vezes, usado para assinar as mensagens electrónicas, sem que alguma vez tenham tido o que quer que seja a ver com o assunto. Aparentemente, e porque ao nome se junta regra geral o contacto e o nome da universidade do estudioso, estas pobres almas passam anos a responder a mails e atender telefonemas de pessoas que acreditam mesmo que se puserem uma tartaruga pequenina em água salgada ela cresce como aquelas dos Galápagos (bem, este mito não consta do livro, mas uma professora de Geografia que tive no liceu acreditava piamente que assim sucedia).

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