Saio do autocarro sob a ameaça de uns, julguei na altura, benignos pingos de chuva. Rapidamente o aguaceiro se transforma numa simpática bátega de água e eu acabo por me abrigar na entrada de um prédio, onde já se encontra um pacífico casal de velhotes. Entreolhámo-nos naquele sorriso cúmplice e desajeitado de quem está no mesmo barco até que eu, afoita e de sandalinha, decido tentar a minha sorte e caminhar, por baixo de várias varandas e afins, até à loja chinesa mais próxima.
Lá acabo por reforçar a dose de incenso de alecrim (que vício, senhores, que vício), estoicamente resistindo a trazer para casa o incenso que «chama o dinheiro». À saída, chove ainda mais e rendo-me às evidências, comprando um guarda-chuva que não demorará a desfazer-se, mas que naquele momento e naquele local, a uns chuvosos 10 minutos de casa, é o objecto mais precioso do mundo.
Mal saio para a rua encontro os mesmos velhotes, agora abrigados frente a outro prédio. Ainda bem-dispostos, saúdam-me e mostram interesse pela minha aquisição. «Quanto deu por ele?», quer a senhora saber. «Cinco...», digo eu, com a noção de que me deixei assaltar. Indignados mas não surpreendidos, os idosos apontam para o outro lado da rua, garantindo que a loja que, neste Dia de Portugal, está fechada vende guarda-chuvas a 1,5 euros. «E a menina ainda vai aí com a etiqueta pendurada», repara a velhota, para minha humilhação.
Percebendo a minha vergonha, os senhores apressam-se a encontrar razões mais acertadas para a minha escolha. «Não, mas até é bonito!», diz ela. «E é dos bons», acrescenta ele (ah, ah). Despeço-me depois de, sorridentes, os meus companheiros declinarem boleia de guarda-chuva até alguma paragem próxima. Quase a chegar a casa, um táxi em corrida super-sónica molha todo o meu lado esquerdo.
Há 13 anos
3 comentários:
<3
que belo texto (quase que faz a molha ser merecida)
beijos
:)
já percebi que estás a deixar a sofisticação da chaise-longue azul, para voltares ao conforto do teu "velho" sofá verde:)
como dizes mais abaixo «contra a diferença, marchar, marchar»;
de qq maneira «incenso que chama dinheiro» parece-me bem. resta saber o aroma desse incenso milagroso... :/
Olá amigos : )
Pedro, é assim a vida longe dos trópicos: pobre mas honrada :D
Luís, cada incenso tem uma finalidade, é delicioso este esoterismo de loja dos chineses :D O facto de terem alocado o Santo António aos casos amorosos deu-me cá uma vontade de rir...
Beijinhos e bom feriado a ambos,
Lia
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