Acho que mereço um doce - vi, há quatro dias, os National ao vivo e ainda não transformei o Sofá Verde num templo digital de adoração à banda de "Alligator" (e de "Boxer", vá lá). Como diria o outro, make no mistake, though: basicamente, ainda não tive foi muito tempo, entre lavar roupa, desfazer malas e reatar rotinas laborais. As ideias continuam a pairar na minha cabeça («leave it all, up in the air...», dizem eles na "Ada") e atropelam-se quando volto a ouvir, agora em CD ou mp3, as músicas que me levaram ao delírio no Magnet de Berlim.
Antes do mais, e para esclarecer dúvidas que possam surgir junto dos mais incautos, sim, eu sou maluquinha por fazer coincidir as minhas férias com as coordenadas espácio-temporais da digressão dos moços. Sei que não ajuda, mas percebi perfeitamente, quer no Magnet quer no fórum de fãs da banda, que não fui a única a fazê-lo. E mais grave ainda, não me arrependo nada. Todos sabemos que eu já tive destes achaques e como acabaram (pista: banda do Porto cujas iniciais são OV). Por isso, deixai-me aproveitar enquanto posso.
Os National. Em Berlim. Acho que só acreditei quando vi aquela cambada, indistinta e perfeitamente confundível com a equipa de roadies, em palco. Mesmo com bilhetes (de avião e de concerto, mais casa alugada) na mão, achei sempre, até à última, que o plano ia falhar. E as demoras nos transportes e uma pequena tempestade de Verão ao final da tarde ajudaram a avolumar os meus receios. Lá pelas 21h30 de Sexta-feira, no entanto, o concerto por que mais ansiara nos últimos anos começa. Preparo-me para tudo (tentei nem ver grandes setlists, para não ficar desiludida por tocarem esta em vez daquela, coiso e tal).
Foi um concerto em crescendo: quer no alinhamento (a princípio, o som estava pouco nítido, no final a euforia era de tal ordem que já ninguém reparava), quer dentro de cada música.
Admito sem grandes problemas que a minha devoção pela banda seja uma coisa extremamente pessoal - ou seja, ao contrário do que sinto em relação a outros artistas, consigo muito bem perceber que haja quem não goste de National. A mim, e reflecti bastante até chegar a esta conclusão, agrada-me a melancolia, claro está, mas também uma certa gestão da ansiedade. Há músicas em que ela é libertada («Mr. November», «Abel», com o vocalista Matt Berninger no meio do público e a um palmo de mim, a gritar e a saltar como qualquer um de nós), e outras em que ela, a ansiedade, vai sendo exorcisada aos bocadinhos, de forma quase masoquista, pelas guitarras irmãs de Bryan e Scott Davendorf - chicoteantes em «Squalor Victoria» (um surpreendente grande, grande momento, com o Mattzinho a passar-se e a pendurar-se numa trave frente ao palco), cintilantes em «Secret Meeting».
«Secret Meeting» foi a terceira música da noite e fez-me pensar que voltaria a passar por todas as caminhadas e esperas e secas que me conduziram até Berlim. Ao primeiro segundo da canção, que não foi anunciada pela banda, o público leva braços ao céu e sorve o momento. No mínimo emocionante, perceber que se está entre tantas pessoas (desconhecidas, de várias nacionalidades) a quem o "Alligator" marcou de forma tão profunda. A empatia público-banda começa, nesse momento, a crescer de tal maneira que, às tantas, já não é possível dizer quantas pessoas entoam as letras das músicas, velhas e novas. Todas? Quase todas? Ou está tudo na nossa cabeça?
Em palco, Matt Berninger parece um cão perdigueiro, esticado para a frente em busca de caça: é piroso dizê-lo, mas o que ele aparenta procurar ali, naquela pose semi-ébria, são emoções, moods, estados de espírito, e quando os agarra, meus amigos, a revolução que ali não acontece. O microfone parece um detector de metais, a registar o ambiente do concerto, a expectativa de quem repete cada palavra e cada barulhinho das 17 músicas daquela noite como se nada mais importasse. Como se canções como «Soho Riots» (o povo a cantar, sozinho e afinadíssimo, todo o final da música, e o autor da letra a comentar, surpreendido, que nem ele sabe o que aquelas palavras querem dizer) ou «Fake Empire» (o fabuloso single do "Boxer", rematado de forma estrondosa com um fogo cruzado de guitarras e violino) oferecessem aos seus admiradores mais do que três ou quatro minutos de contentamento. Como se naquela partilha, por alguns aguardada durante tanto tempo, se encontrasse uma sensação de pertença quase religiosa, mas sem as chatices.
O que é que eu posso dizer mais? Que estavam uns bons 40 graus na sala (bem pior que qualquer ZdB) e que saí de lá completamente partida e com a t-shirt da banda encharcadíssima; que o Matt Berninger esteve a beber de uma garrafa de vinho que eventualmente despachou para o público, vindo a arrepender-se e a passar aos fãs uma nota de 20 euros para que lhe comprassem nova garrafa (ficou sem a nota e sem a pinga); que todos juntos, intuitivamente, fizemos um joguinho de palmas para o final do «Ada» que muito impressionou a banda... ou que os National tocaram a melhor música do mundo («All The Wine») e ainda assim não foi o melhor momento da noite.
Também podia dizer que os National são a «minha» banda, que nasceram para me fazer (a mim e a mais uns quantos, pronto, mas eles que façam os seus próprios blogues) feliz. Nem que seja só por hora e pico. Não houve encore e cada música era tão boa que o concerto podia acabar ali mesmo - sem arrependimentos, sem olhar para trás, e com a certeza de que no dia seguinte estaria pronta para nova dose.
(importantíssima nota de rodapé: obrigada às minhas melhores amigas «alemãs», sem as quais nada disto teria sido possível, e ao João Bonifácio e ao João Lisboa por, no fim-de-semana em que eu gritava «I wish that I believed in fate/I wish I didn't sleep so late!» até ficar rouca, escreverem, no Ipsilon e no Expresso respectivamente, textos marabilhosos que até fazem toda esta panca parecer uma coisa séria.)
quarta-feira, 30 de maio de 2007
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10 comentários:
Lia, fico muito feliz por teres vivido essa experiência. Arrepiei-me ao ler este texto, principalmente na parte da "nossa" Secret Meeting. :)
Beijos e que possas ver muitos mais concertos dos National na tua vida.
Belo texto, amiga Lia.
Subscrevo que a "All The Wine" é "a melhor música do mundo".
Eis o meu objectivo de vida: partilhar uma garrafa de vinho tinto com o Matt Berninger.
Resta esperar lá para Novembro, provavelmente o mês mais indicado para ver os National.
Beijos
Cristiano
Katy, muito obrigada. Confesso que me lembrei de ti nessa música, um arrepio permanente do primeiro ao último minuto. Melhor mesmo só o Soho Riots, aí vieram-me as lágrimas aos olhos com toda aquela pacífica sintonia...
Cristiano, vamos esperar que sim. Tens é de dizer ao Matt Berninger que troque o branco pelo tinto : )
Beijos para ambos,
Lia
Por ter lido a tua descrição do concerto e pela white session ouvida ontem e, por aí, imaginá-los ao vivo dentro da minha cabeça levei 2 horas a adormecer esta noite.
Ainda bem que lá estiveste.
PS - esta parte não me sai da cabeça:"com o vocalista Matt Berninger no meio do público e a um palmo de mim, a gritar e a saltar como qualquer um de nós". :)
Que belo relato, amiga.
ineveja...
É isso que me ocorre também, Lia, ao ler-te neste texto tão sentido e, ainda assim tão capaz de mostrar tudo - ainda bem que lá estiveste.
I've seen this kind of madness before........ :)
(remember "Survivin' Cartaxo!"? )
: )
belíssimo relato. espero ter oportunidade de vê-los e sentir essas coisas todas bonitas que descreveste.
(temo por algum ataque visto as músicas serem todas tão intensas que até nos devemos esquecer de respirar).
*
sandra (becks)
Obrigada a todos por lerem : )
Depois deste tipo de concerto/experiência/epifania, fica sempre uma espécie de "vazio", e a melhor forma de contorná-lo foi recordar tudo outra vez, aqui, convosco...
Leonor, lembrei-me de ti muitas vezes. Mandei-te pm mas o fórum diz que Amy já não é nome de utilizador... Espero que no Sudoeste possamos vê-los juntas! Berlim foi mágico, mas senti falta de alguém com quem desabafar em português :P
JG, obrigada pela publicidade e apoio!
Menina Alice, as suas palavras significam muito para este sofá...
Suz, tens toda a razão! Mas claro está que, à beira do Cartaxo, Berlim não é nada :D
Becks, é que é mesmo isso... Eu só me lembro de dizer coisas como «ai valha-me deus...» ou «isto hoje ainda me dá um ataque», de cada vez que começava uma *daquelas* músicas.
A rapariga ao meu lado ria-se :D
Tão bom de ler, este texto!
Um concerto perfeito numa cidade perfeita. É mesmo de fazer inveja.
Beijinhos para ti, Lia. ;)
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