Na passada tarde de Sexta-feira, ia eu muito bem instalada no último autocarro da semana, a escutar música, quando me apercebo que havia motim a bordo. Tentei ignorar os braços no ar e a galhofa instalada entre passageiros que, até àquele momento, não se conheciam... mas a curiosidade e um certo sentido de dever levaram a melhor. Tirei os phones para ver o que se passava.
Num dos bancos da frente (aqueles reservados a grávidas, idosos e, pelos vistos, malucos) ia uma velhota aos berros. A voz já lhe saía rouca - suponho que por ir a gritar desde o começo da viagem - e o discurso era acompanhado por valente pancadaria com a mão na "lateral" do autocarro.
Infelizmente não consegui perceber tudo o que a senhora vociferava, embora tenha gravado um pouquinho das suas declarações (ossos - e instrumentos - do ofício...). Mas o refrão era qualquer coisa como:
«JUSTIÇA! JUSTIÇA! JUSTIÇA! JUSTIÇA! [ler de forma ritmada]
A trombeta do Diabo vai soar! Ele está lá em baixo à vossa espera!!!»Seguiam-se insultos às mulheres «que andam por aí todas bem vestidas e calçadas, comidas e bebidas», mas fazem qualquer coisa que não consegui descortinar, contrária aos desígnios do Senhor. E o refrão, claro:
«JUSTIÇA! JUSTIÇA! JUSTIÇA! JUSTIÇA!
A trombeta do Diabo vai soar! Ele está lá em baixo à vossa espera!!!»Às tantas decidi entabular conversa com a senhora ao meu lado, que de vez em quando sorria para mim e encolhia os ombros. «Afinal, do que é que ela vai a falar?», perguntei, afavelmente.
«Não sei... não compreendo... fala sozinha...», tentou a minha companheira de desgraça, pelos vistos hispânica. «Diz qualquer coisa do Diablo...».
Atrás de nós, um miúdo começa a ouvir
«SMACK THAT!... SMACK THAT!...» do Akon no telemóvel. Lá à frente, a velha insistia na JUSTIÇA! JUSTIÇA! JUSTIÇA! A maior parte dos passageiros não continha o risco. O fim-de-semana estava à porta.