quarta-feira, 23 de junho de 2010

Eitzel

Já aqui escrevi, muitas (demasiadas?) vezes, sobre a minha admiração e o meu carinho pelo Mark Eitzel. Geralmente falo de música, mas a pessoa que se entrevê atrás do chapéu e do humor auto-depreciativo também me aquece o coração (como o reclame do café Brasa, exacto).

Acompanho diariamente o blogue deste senhor e de vez em quando até se me vêem as lágrimas aos olhos. Não sei porquê, mas os posts sobre animais (os cães que lhe invadiram o quintal, o gato que morreu pouco tempo depois da dona) comovem-me sempre; sou uma pessoa simplória e previsível, eu sei.

Na semana passada o delírio aconteceu quando a Sandra S., outra devota atentíssima, me avisou que o homem se tinha pronunciado sobre a banda santa cá de casa. Sabia que eles se gostavam (como dizem os brasileiros) e sempre senti ali uma ligação, mas ver isto escrito proporciou-me uma alegria disparatada. Como é que ele consegue descrever tão bem o que eu sinto por outra banda? (Se bem que eu nunca estive em Zurique, aparte as secas no aeroporto, em escalas, quando a TAP faz greve. Mas vi o centro de Genebra quando um emigrante destroçado pela morte do avô precisou de distrair-se e levou-me numa passeata turística, como sua «refém». Mais uma vez, culpa das greves da TAP).

«I like great songs and great singers. I got the new The National record and right now they are my favorite pop band. I walked around yesterday and listened to the whole record again. Anyone who knows me would say it is because on half a listen they have Joy Division thing (and I was a HUGE fan - see the first 2 AMC records) - but actually no. I like them because live especially the songs are about my life. For instance I saw them in Zurich once on a night off. They played at this Youth Center miles and miles from my hotel. My sense of direction is not reliable and I walked for hours in the (freezing) cold to find this place never sure if i would arrive. I got there ready for anything. Ready for a beer. A spark from a bonfire. It was when you see music that integrates with how you feel inside. Loving something that reflects your delusions. (Also the openers were Film School and it was the best show I ever saw them play and they helped my life)»

Hoje, e perdoem-me o apropriar de material alheio (se o Ricardo Rodrigues pode eu também posso), descobri no blogue do homem mais uma pérola, desta vez versando pássaros. Os de Los Angeles são mais felizes que os de San Francisco, pelos vistos, e ele sente-se mais confortável com os da sua cidade (a da ponte do portão dourado). Eu aposto que ele também se comovia com o trinado das andorinhas cá da terra, se as ouvisse como eu, a rasgar os céus do fim de tarde.

«So I today I was in San Francisco. When finally I took my hangover outside for a walk I made the following brilliant observation: I think the birds of LA are happier than the birds of San Francisco. Birds have no facial muscles but it is plainly true. Clues? The 'shameless abandon' of their flying style; (a false gesture perhaps but limited means make for creative solutions) Also: their songs of threat and territory. These are a hungry crow at the stars and also the sound of healthy happy birds. In SF they are broken, dirty, a step below rats. They don't sing they whisper. They spin about haggard and haunted. As if a shadow follows. As if always a pointer is running after them. Yes indeed. Home Sweet Home. Sure I love LA, and love the bed and the company in the bed and that makes me stumble through scenery like I'm playing the luckiest man alive. (Though true I have always stumbled)

But: I am not used to LA and its spiritless trees and its billion anonymous birds. And their shrill joys.»

Para vosso entretém.

domingo, 13 de junho de 2010

Menu do Chez Arneiros

Não foram só receitas gostosas e simples que aprendi com a inestimável Teleculinária - também fiquei a saber que os pratos com aspecto mais modesto podem, e devem, ser fotografados ao lado de beldades (como o manjerico abaixo) para potenciar o seu apelo mastigável. Sem mais delongas, eis alguns dos pratos que me aventurei a fazer nas últimas semanas (de cima para baixo: pimentos recheados com carne de novilho, temperada com tomate, vinho branco e louro; caril de frango com piri-piri; bacalhau à valenciana e bolo de chocolate e cerveja preta!).







Junho 2010




Talvez haja...

Talvez haja coisas mais adoráveis do que um wallpaper com o meu cão cadavérico, 15 anos de insuficiência cardíaca e problemas nervosos, a passear ao fundo da rua... Mas tendo em conta que a fotografia da minha irmã (sem photoshop!) enganadoramente o retrata como um cachorrinho de tenra idade, em suave deriva por um campo florido, assim de repente não me lembro de melhor opção.


sexta-feira, 11 de junho de 2010




«Someone send a runner through the weather that I'm under for the feeling that I lost today
Someone send a runner for the feeling that I lost today
»

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Mitos Urbanos e Boatos

Cientes da minha triste atracção pelo disparate, a Rute e o Miguel decidiram, no mais recente 27, congratular-me com o livro Mitos Urbanos e Boatos, da jornalista da SIC Susana André.

Desengane-se, porém, quem imaginar que nas quase 300 páginas desta obra a autora se limita a encarreirar aquelas patranhas que, ao longo dos anos, nos habituámos a ouvir da boca de conhecidos ou a tresler nos e-mails de imediato apagados (*). Há aqui toda uma contextualização sociológica do fenómeno, tão antigo como a má língua humana, que nos explica, por exemplo, que a ambiguidade e o interesse pessoal são a água e o substral dos boatos; que as versões fantasiosas negativas circulam com maior velocidade que as petas positivas; que muitos dos mitos urbanos ocupam na sociedade contemporânea o nicho e a função dos arcaicos contos de fadas e fábulas populares.

Para vosso deleite deixo só dois exemplos castiços: um sério, a espelhar a sólida investigação por detrás deste livro, e outro obviamente pantomineiro.

«Não será o mito jesuítico o reverso do mito sebástico português?», questiona José Eduardo Franco. «Enquanto no mito do sebastianismo projectamos numa pessoa, numa entidade mítica, a possibilidade de realização das aspirações colectivas, no mito jesuítico projectamos as nossas desilusões e desenganos. A esta entidade negativa é dado um carácter expiacional onde os insucessos e os males da nação são projectados e expiados», conclui o investigador. (p. 263)

Nesta passagem do capítulo sobre os extraterrestres, enternece-me acima de tudo a desproporcionalidade de dimensões e meios de combate entre o primeiro exemplo (internacional) e o segundo (de, erm, Valongo).

«Em 1980, os quase dois mil soldados em formação na base aérea de La Joya, no Peru, terão visto um objecto imóvel no ar. Alfonso Santa María, piloto reformado das Forças Armadas peruanas, recorda que recebeu ordens para descolar no seu avião a jacto e disparar contra o objecto esférico que se encontrava no espaço proibido sem autorização (...). Conta que se aproximou do engenho e disparou 64 obuses de 30 milímetros. Garante que alguns acertaram em cheio, mas não tiveram qualquertipo de efeito (...). O antigo piloto descreve-o como algo semelhante a um globo e admite que o assunto ainda hoje lhe "provoca calafrios"». (p. 266)

vs

«Em Portugal, a história mais mediática aconteceu dez anos depois, em Alfena, Valongo, onde várias pessoas terão avistado um estranho elemento em forma de betoneira que descia dos céus. Contam que, à medida que se aproximava, o aparelho começou a descer umas pernas, como se tencionasse aterrar, e garantem que o medo levou algumas testemunhas a atirar pedras ao objecto».

Feliz Dia de Portugal!

(*) - ou talvez não. Aparentemente, os e-mails sobre ovos de baratas que eclodem na língua das pessoas e outras impossibilidades científicas (devidamente esclarecidas neste livro) acabam por fazer a vida negra aos médicos e investigadores cujo nome é, na maior parte das vezes, usado para assinar as mensagens electrónicas, sem que alguma vez tenham tido o que quer que seja a ver com o assunto. Aparentemente, e porque ao nome se junta regra geral o contacto e o nome da universidade do estudioso, estas pobres almas passam anos a responder a mails e atender telefonemas de pessoas que acreditam mesmo que se puserem uma tartaruga pequenina em água salgada ela cresce como aquelas dos Galápagos (bem, este mito não consta do livro, mas uma professora de Geografia que tive no liceu acreditava piamente que assim sucedia).

Frases ouvidas na rua

«Acordava com dores de manhã porque os dentes do siso cresciam-me durante a noite!», rapariga à conversa com amiga na carismática carreira 750 da Carris.

«A mãe tem um curso de Economia e o pai é dono de uma empresa e mesmo assim ele não quer outra coisa senão jogar a porcaria do futebol!», moça desgostosa com opção de carreira do namorado, desabafando ao telemóvel no meio da rua («Ele diz-me: "oh 'môr, é só para ver o que dá", mas enquanto vê e não vê, vive dependente dos pais!», queixou-se ainda).

O meu 10 de Junho

Saio do autocarro sob a ameaça de uns, julguei na altura, benignos pingos de chuva. Rapidamente o aguaceiro se transforma numa simpática bátega de água e eu acabo por me abrigar na entrada de um prédio, onde já se encontra um pacífico casal de velhotes. Entreolhámo-nos naquele sorriso cúmplice e desajeitado de quem está no mesmo barco até que eu, afoita e de sandalinha, decido tentar a minha sorte e caminhar, por baixo de várias varandas e afins, até à loja chinesa mais próxima.

Lá acabo por reforçar a dose de incenso de alecrim (que vício, senhores, que vício), estoicamente resistindo a trazer para casa o incenso que «chama o dinheiro». À saída, chove ainda mais e rendo-me às evidências, comprando um guarda-chuva que não demorará a desfazer-se, mas que naquele momento e naquele local, a uns chuvosos 10 minutos de casa, é o objecto mais precioso do mundo.

Mal saio para a rua encontro os mesmos velhotes, agora abrigados frente a outro prédio. Ainda bem-dispostos, saúdam-me e mostram interesse pela minha aquisição. «Quanto deu por ele?», quer a senhora saber. «Cinco...», digo eu, com a noção de que me deixei assaltar. Indignados mas não surpreendidos, os idosos apontam para o outro lado da rua, garantindo que a loja que, neste Dia de Portugal, está fechada vende guarda-chuvas a 1,5 euros. «E a menina ainda vai aí com a etiqueta pendurada», repara a velhota, para minha humilhação.

Percebendo a minha vergonha, os senhores apressam-se a encontrar razões mais acertadas para a minha escolha. «Não, mas até é bonito!», diz ela. «E é dos bons», acrescenta ele (ah, ah). Despeço-me depois de, sorridentes, os meus companheiros declinarem boleia de guarda-chuva até alguma paragem próxima. Quase a chegar a casa, um táxi em corrida super-sónica molha todo o meu lado esquerdo.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Contra a diferença, marchar marchar

Confesso-me apreciadora dos programas da família do «extreme make over»: pega-se num desgraçado ou numa desgraçada cujos espelhos em casa se devem ter partido há décadas e dá-se-lhes um aspecto mais ajeitadinho, aprazível ou consentâneo com a modernidade (os senhores de «mullets» à anos 80 são um clássico deste tipo de reality show, e nesse caso a minha tolerância é zero - cortar a eito e não olhar para trás!).

Geralmente o programa é tanto melhor quanto maior o orçamento e mais ajuizados os «consultores», ou seja, não vejo as edições portuguesas. E quase sempre fico na dúvida se, por muito bonito e sensato que seja o novo visual, a «cobaia» não acabará por voltar, por hábito, preguiça ou impossibilidade financeira, àquilo que era antes da transformação.

De qualquer maneira, há casos e casos - na semana passada apanhei a história de uma senhora de 36 anos, bastante bonita por sinal, que usava meias de rede com desenhos de aranhas e cabelo vermelho. O marido achou, talvez compreensivelmente, que ela já não tinha idade «para se vestir como uma adolescente» e mandou a brigada dos «conselheiros» lá a casa, para lhe darem umas luzes.

O resultado foi deprimente. A única coisa positiva, no meu condoído entender, foi arranjarem-lhe os dentes. De resto, foi penoso ver o visual completamente betinho que lhe arranjaram - nada contra, mas estava nos antípodas do que parecia ser a sua personalidade - e sobretudo a forma como a obrigaram a livrar-se de toda a quinquilharia de teor gótico que ela coleccionara ao longo dos anos. Eu não gostaria de ter estatuetas de gárgulas, morcegos e diabretes em casa, mas se gostasse reagiria com tiros de caçadeira à entrada no meu território de quem mas quisesse levar.


E se houvesse um marido que não gostasse da colecção de malas Chanel ou sapatos Louboutin da parceira? Será que aquela cambada de afectados também lhos iria lá a casa confiscar?

Às vezes tenho a sensação de que enquanto não formos todos iguais há gente que não dorme sossegada.

Aviso à navegação

Aproveito para informar todos os fregueses que este Sofá não irá adoptar, nas suas verduscas intervenções, o novo acordo ortográfico, reservando-se ainda o direito de, caso lhe dê na veneta, passar a escrever flor com acento circunflexo ou farmácia com ph. Muito obrigada!

Precariedade: melhor que desemprego

Ouvi esta semana, da boca de um senhor do PSD (peço desculpa por não me lembrar do seu nome), que ter um emprego precário é melhor que estar desempregado. Fiquei boquiaberta com a desfaçatez (leia-se, lata) de um «representante da nação» dizer uma coisa dessas, em directo para a televisão, sem se rir ou pedir desculpa a seguir.

A esse propósito, aqui deixo um relato bem elucidativo (e, a espaços, revoltante também) da experiência da minha amiga A., em busca de um emprego que lhe deixe tempo para comer e, quem sabe, dormir. Parece que é pedir muito, consideram os empregadores.

Reflexões sem interesse nenhum

O que separa, hoje em dia, boa parte dos vídeos e imagens promocionais das «divas pop» e a velha arte da pornografia? A meu ver, honestidade: nos filmes da especialidade, como diria o pai de uma amiga, o charme está todo na clareza da coisa: tal como nas fitas de pancadaria, não há uma história, mas sim um pretexto. Nuns casos, essa circunstância inicial abre caminho a porrada de criar bicho, noutros a cenas que em pouco superam o teor explícito dos telediscos das Gagás, Aguileras e Rihannas deste mundo, com a vantagem de não invocarem fajutas pretensões artísticas. (Lembro-me de pensar nisto quando vi a primeira destas artistas numa clássica pose de exame ginecológico, num dos seus aclamados vídeos).

Não me considero moralista muito menos me oponho à existência desta fábrica pop de obsessões sazonais (actualmente, nada parece vender e fazer salivar como a sugestão de amor entre senhoras; queria-me rir se as jeitosas do costume fossem substituídas por homens feiosos em preparos igualmente assanhados. É que, quando nasce, a homossexualidade é para todos...). Só me cansa a facilidade dos «argumentos» e a exploração da sexualidade feminina como carne para canhão. Ninguém devia guiar-se na vida pelos vídeos pop, mas estou certa que muita garotada o faz, e não há como negar que o paradigma actual de poder feminino equivale, mais coisa menos coisa, a ser uma grande meretriz.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Verão Azul

«Vemo-nos no próximo Verão?», pergunta uma baleia à outra.

«As férias das baleias-jubarte, do sexo feminino, são passadas em conjunto: todos os Verões as amigas se encontram para se alimentarem e nadarem lado a lado. O ponto de encontro é no golfo de St. Lawrence, no litoral do Canadá, segundo estudos realizados por cientistas.

Um estudo (...) incidiu nas baleias neste golfo desde 1997. Juntamente com cientistas alemães e suecos, os canadianos gravaram movimentos de algumas espécies de baleias - azul, fin, minke e jubarte. E foram detectadas amizades entre os cetáceos: a maior amizade registada durou seis anos e ocorre sempre entre animais do sexo feminino da mesma idade. As baleias encontram-se no Verão, depois das alturas de migração e de reprodução. Os cientistas verificaram que as baleias se encontram e alimentam juntas. 'Fiquei muito surpreendido com o tempo que durou a amizade. Estava à espera que se associassem só um Verão, e não nos seguintes'. Christian Ramp acrescenta que 'elas adaptam o seu comportamento às outras'.

Até agora não se sabia que as baleias de barbatana reestabeleciam laços entre si e que estes laços têm efeitos positivos na sua alimentação. Segundo os cientistas, as amizades beneficiam as baleias do sexo feminino e são elas próprias que promovem o elo de ligação contínuo, quase como se fossem passar férias com as amigas».

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Crise de valores

Facilitar casos amorosos: eis «uma atitude pouco cristã», para usar uma expressão querida a um amigo. Ainda por cima quando vem de quem vem - Santo António, então? E as crianças?



(Foto tirada com o telemóvel numa loja chinesa, onde como sabemos vale tudo. Ou nem tanto - Santo António poderá não ter gostado da minha brincadeirinha, pois imediatamente após tirar a foto uma «mão invisível» fez o meu vestido prender-se na estante atrás de mim, atirando ao chão um ror de rolos de fita-cola daquela para calafetar janelas. O incenso de alecrim - 40 cêntimos - é muito bom, porém).

Boas notícias

Há lá melhor maneira de começar a semana do que assistindo à ressurreição d' A Minha Agenda, blogue da mui estimável Anne Martens, agora com Austin, Texas, na quente linha do horizonte? Por aqui não pedimos mais nada (e até o visual d' Agenda está renovado!).

domingo, 6 de junho de 2010

Benfica 2010 - pequenos apontamentos

Por razões relativamente inofensivas e já conhecidas do estimado auditório, tem sido limitado o meu raio de acção nas últimas semanas. Além de mais tempo para ler, ouvir música e pensar na vida, tenho encontrado alguns motivos de «reportagem» por esta Benfica onde me movimento (e com o título deste post vou certamente arrecadar uns quantos leitores/adeptos incautos, iéi).

Na «montra» da Igreja Evangélica de Benfica, por exemplo, a preocupação recai sobre a crise que ameaça a família. Os culpados são, a julgar pela ilustração, os aliens e os decapitados.



(Também vejo aqui uma referência à letra «I have a hole in the middle where the lightning came through», mas passarei à frente para não vos aborrecer.)

Há uns dias tive, ainda, o prazer de conhecer Jimmy, o cão («Alaska Malamute», especifica a minha irmã) de 53 quilos que, frente ao quiosque, concentrava todas as atenções. Habituado à curiosidade dos passantes, e creio que rejubilando com a mesma, o dono autorizou os enfeitiçados pelo cão a fazerem-lhe festas e tirarem-lhe fotos. Não quis contribuir para o já insuflado ego do homem e, por isso, tirei a minha foto já bem de longe, com o zoom do meu pequenito telemóvel. O Jimmy é um bom companheiro e, percebendo as minhas intenções, desviou o olhar na minha direcção, na altura exacta.



Poucos passos à frente, um velho contava às amigas como uma mulher conhecida de todos, narrador e interlocutoras, fora operada aos intestinos. «Tinha 35 quistos mas só lhe tiraram 25!».

Já no sossego do lar descobri, não sem algum alívio, que ainda sei fazer uma coisita ou outra, a saber: arrumações e reorganizações a pender para o épico, descobertas improváveis (encontrar uma saia lindíssima que nunca se usou é melhor que ir às compras!) e cozinhar algo mais do que o básico que se põe ao lume quando se chega a casa derreada, depois de findos os telejornais.

quinta-feira, 3 de junho de 2010



Believe me, believe me, believe me
The blue sky will smother us.

E a TV?

Olhando para o cabeçalho deste blogue, ocorre-me tranquilizar a sua meia dúzia de leitores ocasionais: eu ainda me espreguiço frente ao televisor. Mesmo que as mais recentes intervenções tenham sido inspiradas por música e livros, houve uma noite durante esta semana, por exemplo, em que tive a incrível sorte de apanhar o seguinte menu: programa da Oprah sobre familiares de serial killers famosos (com o filho do mentor do massacre de Jonestown e a irmã de John Wayne Gacy no estúdio); filme sobre homem manco apaixonado por pérfida lolita de 17 anos (protagonizado pelo Dennis Hopper) e rubrica da Zone Reality sobre mitos urbanos e teorias da conspiração. A história da miúda que morrera aos 21 anos e de quando em vez saía do cemitério onde estava enterrada, em Chicago, para pedir boleia aos incautos «passantes» divertiu-me bastante.

Claro que serões há em que não vejo um único shóu que seja. Mas noites como a de Terça ajudam-me a manter viva a chama e retinta a reputação; Deus proteja os programadores que agendam essas bênçãos.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

O último da série

Prometo que este é o último post exibicionista. Mas vejam lá se esta não é uma boa razão para ser acordada de manhã pela campainha do prédio. Eis o que o carteiro trazia consigo (o cartãozinho é para fazer o download mas hei-de trazê-lo comigo como se fosse um de crédito - que nem tenho. O poster é um miminho inesperado e muito apreciado. E o selo com o urso polar? Já guardei!).







«We look younger than we feel and older than we are
Now nobody's funny, no god, they took our fashion week
That's a real bad thing 'cause we have scars to cover»

High Violet, outra vez

Um leitor amigo comentava, há algumas semanas, neste mesmo sofá, o quanto estava a gostar do High Violet e prometia para breve, quando a panquinha o permitisse, uma intervenção sobre o assunto. Por enquanto ainda não me é possível aventurar-me por tais águas, mas posso ir adiantando que uma das coisas que mais aprecio neste disco - além da inspirada coloração - é que, não sendo o Alligator (como, aliás, nada mais é), o High Violet não me deixa tanto a pensar no Alligator como o Boxer, a espaços, deixava. Continuando na onda das citações, o High Violet «corta-se nos joelhos do Alligator». E isso - a par de hoje ter recebido o vinil do Sad Songs for Dirty Lovers - já é muito bom.



«You said I came close as anyone's come
To live underwater for more than a month
You said it was not inside my heart, it was
You said it should tear a kid apart, it does
»

Ainda as dicas de John Fahey



«Last night as I lay dreamin'
I heard my darlin' call
And then I went to meet her
By the singin' waterfall
She took me in her arms
Just like she used to do
And then I heard her whisper
We'll meet beyond the blue
»

Eitzel, esse grande freguês deste sofá

O tempo tem destas coisas. Confrontada com ele, dei por mim a conseguir ouvir até ao fim, com vagar e com cabeça, discos que pensava conhecer bem, mas afinal podia conhecer melhor. Assim confirmei a formidável habilidade da Laura Veirs para ganchos, melodias e tudo o que rime, musicalmente, com sol; o desdém dylandesco e poeirento (em bom) da pequenita Laura Marling (20 primaveras, acusa o BI) e o generoso caudal de Klamath, o mais recente disco a solo do nosso amigo Mark Eitzel.

Lançado no final do ano passado, conquistou-me desde logo por aquela atmosfera nublada e espessa que cobre os melhores álbuns do homem - mas não via nele, ainda assim, aquilo que a Uncut, por exemplo, viu: o melhor dos seus trabalhos fora dos American Music Club. A verdade é que, na horizontal e com mobilidade reduzida, ou seja, nos primeiros dias de baixa, o que me parecia um caldo amável com belos nacos de pão (The Blood On My Hands, I Miss You e Ronald Koal Was a Rock Star são exemplares), passou a algo bem mais rico, fluido e, graças aos delicados apontamentos electrónicos, próximo do disco que me fez descobrir Señor Eitzel: The Invisible Man, de 2001.

Não há nada de mais em Klamath: são só canções capazes de nos abraçar e esfaquear em simultâneo, belas letras - sem tretas, cheias de coração, zero de pretensão - e aquela que é provavelmente a voz que mais me diz. O YouTube não é amigo na hora de partilhar este tipo de artistas (ou serão os seus fãs que são uns cepos?), mas se acreditarem em mim e tiverem o disco à mão, dêem uma oportunidade às músicas Like a River That Reaches The Sea, There's Someone Waiting, What do You Got For Me ou Why I'm Bullshit. Rápido, antes que chegue o Verão e leve consigo todo este benfazejo nevoeiro.

«But I'm so sick and tired of acting dumb and playing fair
I wanna be the one that writes history and doesn't care
»

terça-feira, 1 de junho de 2010

John Fahey, o escritor

A contracapa é clara: ficção, lê-se, em inglês, no canto superior do livro, um nadinha acima da foto do autor. A preto e branco, barbudo e sisudo, John Fahey confessa-se assim responsável por este conjunto de historinhas reunidas no livro How Bluegrass Music Destroyed My Life. Nalguns sites, porém, a obra é considerada autobiográfica e, 291 páginas depois, não duvido que haja farripas de realidade nesta dúzia de fábulas em que John Fahey, o aclamado mestre do «fingerpicking» e estudioso da música americana, lembra o dia em que esmurrou (esmurrou?) o realizador Michelangelo Antonioni, como descobriu que Skip James era um crápula (seria?) ou que Hank Williams era o seu anjo da guarda (disto não há que duvidar).

Autobiográfico ou não, o livro que comprei em Nova Iorque, minutos antes de começar a nevar e atraída pela capa vagamente naïf, foi uma óptima companhia nestes dias de retiro, com a sua escrita humorada, por vezes ácida, sempre muito inteligente. Qualquer pessoa com um ligeiro interesse por música (e história da música), filosofia, política, sonhos, religiões sortidas e / ou gente, em geral, ganhará em ler How Bluegrass Music Destroyed My Life, cujo maior trunfo, ainda assim e a meu ver, é dizer tanto sobre John Fahey quando, em 90% dos casos, tudo o que ele faz é falar de outros que não ele.

Lamechas como sou, a minha fábula favorita tinha de ser April In Orange. Já li algures que é totalmente ficcionada, mas como poucas coisas me soam mais deliciosas do que amores adolescentes mesmo que (ou sobretudo) imaginários, aqui fica um excerto dessa fábula:

«We were pretty good friends and conversationalists. We were both interested in obscure, occult things. And we read lots of books about strange things and told each other about what we had read. And it was quite fascinating. There was so much.

And we did love each other. But it was purely Platonic. And that really was OK with us both.

And we confided in each other and kept each other's secrets. We were great friends.

But not lovers
».

(A coisa depois arrebita, com a chegada de outra personagem, mas citação que é citação tem de ter sempre uma certa «sorrow» colada...).

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