Há 13 anos
segunda-feira, 29 de dezembro de 2008
Cinco aninhos é muita fruta
Ao contrário dos vizinhos VJ e Mourinha, não tenho por hábito assinalar o aniversário do Sofá Verde. Mas, ao ver que os blogues daqueles companheiros de teclanço já estão prestes a entrar na escola primária, fui verificar a cédula de nascimento do meu. E a verdade é que também já se passaram cinco anos sobre o complicado parto! (Teimei em erguer o blogue sozinha e, acreditem-me, em 2003 o processo não era tão intuitivo como hoje). Sem dramas nem grandes promessas, espero continuar deste lado por mais umas temporadas. Mi aguardem.
domingo, 28 de dezembro de 2008
As melhores frases do Natal
Uma das melhores prendas que recebi este Natal foi um caderninho de capa verde onde, graças à minha prendada memória, pude anotar algumas das mais inspiradas frases que se proferiram em Oliveira do Douro e arredores, nos últimos dias.
Boa parte das ditas saíram da bela dupla Tia Glorinda & Tio Zé; perdoem-me a insistência, mas recém-orfã de avós, tenho de me agarrar a esta castiça parceria na busca de material humorístico e brutalmente honesto.
Deixo-vos com um best of:
I. Discussão sobre o bolo rei (um clássico)
Breve sinopse: a minha tia comprou um bolo rei que o meu tio acha insuportavelmente seco. Não conseguem passar cinco minutos sem falar nisso. O auge da discussão acontece em modo «Costanzas» (ver pais do George C., in Seinfeld) e reza assim:
Glorinda: É bom.
Zé: É seco.
Glorinda: É bom.
Zé: É seco.
Glorinda: É bom.
Zé (colérico): É BOM MAS É SECO!!!
II. Considerações sobre uma sobrinha (deles) que é, no mínimo, a ovelha tresmalhada da família.
Glorinda: «Ficámos uma única vez na casa dela em Lisboa. Era calçado por todo o lado!»
Zé: «Tenho uma raiva àquele estupor! Foi um desgosto muito grande! Ela quando era pequena eu cheguei a dar-lhe uma bicicleta!»
Glorinda: «Não gosto da maneira como ela se veste agora, parece um fantoche. Não sei que religião é aquela...»; Zé, na resposta: «É dos países de Leste».
III. Em casa dos meus pais, olhando para a parede onde durante muitos anos viveu um quadro de uma mulher nua e onde agora está pendurada uma imagem mais inofensiva.
Glorinda para meu pai: «Isso que tens aí é para tapar os quadros de que tu gostas?»
IV. Sobre a doçaria tradicional de Natal (mais precisamente, declinando um prato de aletria).
Glorinda: «Massa com açúcar não é para mim».
V. Durante transmissão do programa de Natal da TVI.
Glorinda: «Andou muito. Eu também estou pequena porque andei muito» (sobre diminuta estatura da cantora Dina)
Zé: «Disto é que a mocidade gosta!» (comentando aplausos da plateia para garota que canta «Solta-se o Beijo» da Ala dos Namorados. O favorito dele era o miúdo que cantava «Olhos Castanhos» - «mas isso é porque conheço a canção», admitiu).
VI. O bulício da véspera de Natal e dos telefonemas (para o fixo, claro) de felicitações apoquenta-os.
Zé: «Tudo liga, tudo liga... Parece um ministério, carago!»
Posto isto há que dizer que a minha Tia faz as melhores rabanadas com Vinho Porto que alguma vez provei.
Boa parte das ditas saíram da bela dupla Tia Glorinda & Tio Zé; perdoem-me a insistência, mas recém-orfã de avós, tenho de me agarrar a esta castiça parceria na busca de material humorístico e brutalmente honesto.
Deixo-vos com um best of:
I. Discussão sobre o bolo rei (um clássico)
Breve sinopse: a minha tia comprou um bolo rei que o meu tio acha insuportavelmente seco. Não conseguem passar cinco minutos sem falar nisso. O auge da discussão acontece em modo «Costanzas» (ver pais do George C., in Seinfeld) e reza assim:
Glorinda: É bom.
Zé: É seco.
Glorinda: É bom.
Zé: É seco.
Glorinda: É bom.
Zé (colérico): É BOM MAS É SECO!!!
II. Considerações sobre uma sobrinha (deles) que é, no mínimo, a ovelha tresmalhada da família.
Glorinda: «Ficámos uma única vez na casa dela em Lisboa. Era calçado por todo o lado!»
Zé: «Tenho uma raiva àquele estupor! Foi um desgosto muito grande! Ela quando era pequena eu cheguei a dar-lhe uma bicicleta!»
Glorinda: «Não gosto da maneira como ela se veste agora, parece um fantoche. Não sei que religião é aquela...»; Zé, na resposta: «É dos países de Leste».
III. Em casa dos meus pais, olhando para a parede onde durante muitos anos viveu um quadro de uma mulher nua e onde agora está pendurada uma imagem mais inofensiva.
Glorinda para meu pai: «Isso que tens aí é para tapar os quadros de que tu gostas?»
IV. Sobre a doçaria tradicional de Natal (mais precisamente, declinando um prato de aletria).
Glorinda: «Massa com açúcar não é para mim».
V. Durante transmissão do programa de Natal da TVI.
Glorinda: «Andou muito. Eu também estou pequena porque andei muito» (sobre diminuta estatura da cantora Dina)
Zé: «Disto é que a mocidade gosta!» (comentando aplausos da plateia para garota que canta «Solta-se o Beijo» da Ala dos Namorados. O favorito dele era o miúdo que cantava «Olhos Castanhos» - «mas isso é porque conheço a canção», admitiu).
VI. O bulício da véspera de Natal e dos telefonemas (para o fixo, claro) de felicitações apoquenta-os.
Zé: «Tudo liga, tudo liga... Parece um ministério, carago!»
Posto isto há que dizer que a minha Tia faz as melhores rabanadas com Vinho Porto que alguma vez provei.
sábado, 27 de dezembro de 2008
Razões para gostar de música em 2009...
... ou mais uma odiosa lista (neste caso, de discos que me deram muito gosto ouvir nos últimos 12 meses):
American Music Club - The Golden Age
Silver Jews - Lookout Mountain, Lookout Sea
Foge Foge Bandido - O Amor Dá-me Tesão/Não Fui eu que Estraguei
Marcelo Camelo - Sou/Nós
Emily Jane White - Dark Undercoat
Dawn Landes - Fireproof
The Last Shadow Puppets - The Age of the Understatement
Calexico - Carried To Dust
The Cure - 4:13 Dream
dEUS - Vantage Point
Tindersticks - The Hungry Saw
The National - Virginia EP
Cat Power - Jukebox
Joan As Police Woman - To Survive
Josh Rouse - o best of!...
No Kids - Come Into My House
Cass McCombs - Dropping The Writ
Conor Oberst - Conor Oberst
The Walkmen - You and Me
MGMT - Oracular Spectacular
Erykah Badu - New Amerykah
Carla Bruni - Comme Si de Rien N'Était
TV On The Radio - Dear Science
Rui Reininho - Companhia das Índias
Department of Eagles - In Ear Park
Camané - Sempre de Mim
Minta - You (EP)
Projecto Fuga - Fuga 02
Lykke Li - Youth Novels
Beck - Modern Guilt
She & Him - Volume One
Dead Combo - Lusitânia Playboys
Adriana Calcanhotto - Maré
E mais uma imensidão de canções, sonzinhos e ameaças de música que a memória trai mas o coração não (ooh!). Que 2009 seja ainda mais pródigo e suculento musicalmente.
American Music Club - The Golden Age
Silver Jews - Lookout Mountain, Lookout Sea
Foge Foge Bandido - O Amor Dá-me Tesão/Não Fui eu que Estraguei
Marcelo Camelo - Sou/Nós
Emily Jane White - Dark Undercoat
Dawn Landes - Fireproof
The Last Shadow Puppets - The Age of the Understatement
Calexico - Carried To Dust
The Cure - 4:13 Dream
dEUS - Vantage Point
Tindersticks - The Hungry Saw
The National - Virginia EP
Cat Power - Jukebox
Joan As Police Woman - To Survive
Josh Rouse - o best of!...
No Kids - Come Into My House
Cass McCombs - Dropping The Writ
Conor Oberst - Conor Oberst
The Walkmen - You and Me
MGMT - Oracular Spectacular
Erykah Badu - New Amerykah
Carla Bruni - Comme Si de Rien N'Était
TV On The Radio - Dear Science
Rui Reininho - Companhia das Índias
Department of Eagles - In Ear Park
Camané - Sempre de Mim
Minta - You (EP)
Projecto Fuga - Fuga 02
Lykke Li - Youth Novels
Beck - Modern Guilt
She & Him - Volume One
Dead Combo - Lusitânia Playboys
Adriana Calcanhotto - Maré
E mais uma imensidão de canções, sonzinhos e ameaças de música que a memória trai mas o coração não (ooh!). Que 2009 seja ainda mais pródigo e suculento musicalmente.
Razões para gostar de ciganos
Esta, confesso, foi mais complicada. Mas de tudo se encontra, nesta quadra de boa vontade e excesso de açúcar no sangue.
A dois passos de minha casa, em Lisboa, abriu recentemente uma nova sapataria. Alojou-se no estabelecimento deixado vago por uma antiga papelaria e vende sobretudo sapatos, botas e malas de cores vivas e vistosas, não raras vezes com um aspecto plastificado.
Nos primeiros dias, vi umas moças ciganas a ajudarem nas mudanças. Mas só quando a sapataria abriu as portas ao público é que percebi que a loja era propriedade de uma família dessa etnia. «Ciganos em cativeiro!», espantei-me, prometendo entrar, um dia, na sapataria de nome desconhecido para experimentar umas botas que vi na montra.
A verdade é que esse dia está, ainda, por chegar. As moças que, inicialmente, ajudavam na sapataria devem ter desistido das suas tarefas, imagino eu que devido à fraca afluência de compradores. No seu lugar ficou um matulão que se planta ou à porta da sapataria, barrando a entrada, ou lá dentro, sentado num banquito que devia servir para as pessoas experimentarem o calçado, de perna aberta e ar ameaçador. O Tony Soprano à beira dele é um menino.
Eu, que tenho vergonha de entrar em lojas vazias, pior fico se a dita tiver um «segurança» daquele arcaboiço.
Ultimamente, o Sr. Soprano lembrou-se que talvez fosse boa ideia colocar informação sobre a mercadoria na montra. Mas, ao invés de apôr os preços a cada par de sapatos, optou antes por escrever um preço genérico e apoliá-lo para o meio de um ror de peças. Sabe Deus o que é que, dali, custa ou não 25 euros.
Mas foi graças a este inédito esforço de marquetingue e comunicação que percebi - muito a custo, é verdade, que a caligrafia é arenosa - o nome do estabelecimento. «Sapataria Samuel», escreveu o nosso amigo a esferográfica azul, nuns gatafunhos que me demoraram dias a decifrar.
A dois passos de minha casa, em Lisboa, abriu recentemente uma nova sapataria. Alojou-se no estabelecimento deixado vago por uma antiga papelaria e vende sobretudo sapatos, botas e malas de cores vivas e vistosas, não raras vezes com um aspecto plastificado.
Nos primeiros dias, vi umas moças ciganas a ajudarem nas mudanças. Mas só quando a sapataria abriu as portas ao público é que percebi que a loja era propriedade de uma família dessa etnia. «Ciganos em cativeiro!», espantei-me, prometendo entrar, um dia, na sapataria de nome desconhecido para experimentar umas botas que vi na montra.
A verdade é que esse dia está, ainda, por chegar. As moças que, inicialmente, ajudavam na sapataria devem ter desistido das suas tarefas, imagino eu que devido à fraca afluência de compradores. No seu lugar ficou um matulão que se planta ou à porta da sapataria, barrando a entrada, ou lá dentro, sentado num banquito que devia servir para as pessoas experimentarem o calçado, de perna aberta e ar ameaçador. O Tony Soprano à beira dele é um menino.
Eu, que tenho vergonha de entrar em lojas vazias, pior fico se a dita tiver um «segurança» daquele arcaboiço.
Ultimamente, o Sr. Soprano lembrou-se que talvez fosse boa ideia colocar informação sobre a mercadoria na montra. Mas, ao invés de apôr os preços a cada par de sapatos, optou antes por escrever um preço genérico e apoliá-lo para o meio de um ror de peças. Sabe Deus o que é que, dali, custa ou não 25 euros.
Mas foi graças a este inédito esforço de marquetingue e comunicação que percebi - muito a custo, é verdade, que a caligrafia é arenosa - o nome do estabelecimento. «Sapataria Samuel», escreveu o nosso amigo a esferográfica azul, nuns gatafunhos que me demoraram dias a decifrar.
Razões para gostar de lojas chinesas
Ao fundo da minha rua, em Lisboa, há uma loja de roupa «dos chineses» chamada Boutique Maria.
Tem, como qualquer loja de roupa dos chineses, as novidades mais aberrantes (a minha maior curiosidade é saber se há senhoras asiáticas a comprar - e usar! - aquelas cuecas fluorescentes com berloques) mas também uma ou outra peça para a mulher discreta e inteligente dos nossos dias. E depois há outras que são boas para mim.
Encontrava-me eu numa prospecção de camisolas leves, quentes e quase bonitas, quando uma senhora já-de-alguma-idade irrompe pela loja adentro perguntando, alto e bom som, à menina chinesa se ela tem «lecas, legas, legues ou lá o que é».
À falta de rigor da possível compradora juntou-se, para meu delírio, o pobre domínio do Português por parte da vendedora. Deu-lhes uma caixa de leggings para as mãos, é verdade, mas o diálogo que se seguiu devia ter sido gravado como exemplo de dificuldades de comunicação numa terra estranha (arriscava-me a dizer que estranha para as duas).
Primeiro, a senhora queria experimentar as «legas». A chinesa explicou-lhe, como conseguiu, que «não pode, não pode». «Não posso?», indigna-se a cliente. «Então como é que vou saber se me ficam bem?». A chinesinha pode não saber falar Português mas sabe o que dizer - já é um começo. «Fica bem, fica bem, cetêza!».
Pouco convencida, a mulher interroga-se então se as «lecas» não a farão parecer gorda.
«Golda não, máguela!», exclama a nossa heroína, repetidas vezes. «Golda não, máguela!».
Mas não ficarão demasiado justas, continua a apoquentar-se a mulherzinha, pouco familiarizada com o conceito de leggings que a vendedora lhe tenta explicar, num dialecto que deve tanto ao seu como às línguas eslavas e ao Esperanto do desenrascanço.
«CALÇAS LÁGUELAS, MEIAS IÚSTKAS! CALÇAS LÁGUELAS, MEIAS IÚSTKAS!»
Esforço inglório: a mulher acabou por sair da loja de forma tão intempestiva como nela entrou, sem nada comprar.
Tem, como qualquer loja de roupa dos chineses, as novidades mais aberrantes (a minha maior curiosidade é saber se há senhoras asiáticas a comprar - e usar! - aquelas cuecas fluorescentes com berloques) mas também uma ou outra peça para a mulher discreta e inteligente dos nossos dias. E depois há outras que são boas para mim.
Encontrava-me eu numa prospecção de camisolas leves, quentes e quase bonitas, quando uma senhora já-de-alguma-idade irrompe pela loja adentro perguntando, alto e bom som, à menina chinesa se ela tem «lecas, legas, legues ou lá o que é».
À falta de rigor da possível compradora juntou-se, para meu delírio, o pobre domínio do Português por parte da vendedora. Deu-lhes uma caixa de leggings para as mãos, é verdade, mas o diálogo que se seguiu devia ter sido gravado como exemplo de dificuldades de comunicação numa terra estranha (arriscava-me a dizer que estranha para as duas).
Primeiro, a senhora queria experimentar as «legas». A chinesa explicou-lhe, como conseguiu, que «não pode, não pode». «Não posso?», indigna-se a cliente. «Então como é que vou saber se me ficam bem?». A chinesinha pode não saber falar Português mas sabe o que dizer - já é um começo. «Fica bem, fica bem, cetêza!».
Pouco convencida, a mulher interroga-se então se as «lecas» não a farão parecer gorda.
«Golda não, máguela!», exclama a nossa heroína, repetidas vezes. «Golda não, máguela!».
Mas não ficarão demasiado justas, continua a apoquentar-se a mulherzinha, pouco familiarizada com o conceito de leggings que a vendedora lhe tenta explicar, num dialecto que deve tanto ao seu como às línguas eslavas e ao Esperanto do desenrascanço.
«CALÇAS LÁGUELAS, MEIAS IÚSTKAS! CALÇAS LÁGUELAS, MEIAS IÚSTKAS!»
Esforço inglório: a mulher acabou por sair da loja de forma tão intempestiva como nela entrou, sem nada comprar.
Razões para gostar de cães (e da Mary, claro!)
Histórias como esta ou qualquer outra protagonizada pela Bobina, a cadelinha mais amorosa dos Arneiros e arredores. (Bonito bonito era haver uma fotografia para ilustrar esta evidência...).
(Correcção: não há uma, mas duas fotografias, pois a Mary abriu o livro e eu não consigo decidir de qual destas imagens gosto mais. Você escolha!)
(Correcção: não há uma, mas duas fotografias, pois a Mary abriu o livro e eu não consigo decidir de qual destas imagens gosto mais. Você escolha!)
Razões para gostar do Grande Porto
A nossa ideia era apenas trocar uma balança de cozinha que, cheia de boa vontade e antecipação, a minha irmã comprou - em Novembro - para me oferecer no Natal. Garrida e modernaça, a bicha não funcionava: ou como eu e a minha mãe tentámos amadoramente explicar à menina da caixa na secção de utilidades do Corte Inglés, «não vai ao zero».
De cabelo meticulosamente liso e unhas impecáveis, a moça tentou contrariar a mania da balança, sem sucesso. De seguida, mostrou-nos alternativas que, além de complicadíssimas (ainda agora estou para saber para que serve uma balança que implica uns bons cinco minutos de explicações, somas e subtracções), excediam em muito o plafond do presente original.
Enquanto a funcionária preparava o cartão que permitirá à minha mãe comprar, a partir de Segunda-feira, qualquer objecto que lhe apeteça naquele gigantesco marmarracho a meio da avenida, uma senhora a meu lado olha para mim com indisfarçável curiosidade. «Não é irmã da Vânia?», atira poucos segundos depois.
Confirmo o parentesco e logo a minha mãe percebe estar na presença da «amiga da Eunice». Eunice é a mãe da melhor amiga da minha irmã, e esta não vai ficar nada contente quando souber que basta a alguém que nunca me conheceu ver-me de perfil para perceber as parecenças.
No primeiro dia depois do Natal, o Corte Inglés de Gaia está numa azáfama que a minha mãe, amiga da hipérbole, compara à do São João. Grandes cartazes à entrada anunciam que estamos em plena «Black Friday - O Crash dos Preços!». Questiono a pertinência de trocadilhos com a crise da bolsa em 1929, no final de um ano em que as palavras mais ouvidas em todos os noticiários foram ou «crise», ou «apesar da crise». Mas a ironia escapa ao povo que, em polvorosa, sobe e desce as escadas rolantes consoante as novas promoções anunciadas a cada hora. «Às 16h, colchões da Moviflor a 200 euros. É o Craish dos Préiços», diz a menina no altifalante, num adorável sotaque local.
Enquanto esperamos a camioneta para casa, uma senhora com ar de poucos amigos grita ao telemóvel. Vai, segundo ela, «cortar o pio» à irmã. «Eu sei que ela é minha irmã mas tem uma língua muito porca. Vou amarfanhá-la toda!», era a sua promessa. Também havia um automóvel metido ao barulho. «O carro está no nome dela mas é meu!», berra a pequenita mulher, para risada pouco disfarçada dos companheiros de paragem.
«Até a percebo», desabafa uma senhora para a minha mãe. «Na minha família também somos oito irmãos». Coincidência! Na da minha mãe também (apesar de, este ano, ter morrido um). Mas parece que as semelhanças acabam por aí. «Nenhum deles fala para mim!», revela a nossa interlocutora. «Mas eu até prefiro assim. Só quero que Deus me deia saúde para trabalhar e sustentar as minhas filhas». A minha mãe acena que sim. «Aos meus irmãos só me apetece corrê-los à pezada», são as últimas palavras que ouvimos à nossa amiga de ocasião, antes de as suas pernas sapudas a meterem dentro de uma camioneta dos Carvalhos.
De cabelo meticulosamente liso e unhas impecáveis, a moça tentou contrariar a mania da balança, sem sucesso. De seguida, mostrou-nos alternativas que, além de complicadíssimas (ainda agora estou para saber para que serve uma balança que implica uns bons cinco minutos de explicações, somas e subtracções), excediam em muito o plafond do presente original.
Enquanto a funcionária preparava o cartão que permitirá à minha mãe comprar, a partir de Segunda-feira, qualquer objecto que lhe apeteça naquele gigantesco marmarracho a meio da avenida, uma senhora a meu lado olha para mim com indisfarçável curiosidade. «Não é irmã da Vânia?», atira poucos segundos depois.
Confirmo o parentesco e logo a minha mãe percebe estar na presença da «amiga da Eunice». Eunice é a mãe da melhor amiga da minha irmã, e esta não vai ficar nada contente quando souber que basta a alguém que nunca me conheceu ver-me de perfil para perceber as parecenças.
No primeiro dia depois do Natal, o Corte Inglés de Gaia está numa azáfama que a minha mãe, amiga da hipérbole, compara à do São João. Grandes cartazes à entrada anunciam que estamos em plena «Black Friday - O Crash dos Preços!». Questiono a pertinência de trocadilhos com a crise da bolsa em 1929, no final de um ano em que as palavras mais ouvidas em todos os noticiários foram ou «crise», ou «apesar da crise». Mas a ironia escapa ao povo que, em polvorosa, sobe e desce as escadas rolantes consoante as novas promoções anunciadas a cada hora. «Às 16h, colchões da Moviflor a 200 euros. É o Craish dos Préiços», diz a menina no altifalante, num adorável sotaque local.
Enquanto esperamos a camioneta para casa, uma senhora com ar de poucos amigos grita ao telemóvel. Vai, segundo ela, «cortar o pio» à irmã. «Eu sei que ela é minha irmã mas tem uma língua muito porca. Vou amarfanhá-la toda!», era a sua promessa. Também havia um automóvel metido ao barulho. «O carro está no nome dela mas é meu!», berra a pequenita mulher, para risada pouco disfarçada dos companheiros de paragem.
«Até a percebo», desabafa uma senhora para a minha mãe. «Na minha família também somos oito irmãos». Coincidência! Na da minha mãe também (apesar de, este ano, ter morrido um). Mas parece que as semelhanças acabam por aí. «Nenhum deles fala para mim!», revela a nossa interlocutora. «Mas eu até prefiro assim. Só quero que Deus me deia saúde para trabalhar e sustentar as minhas filhas». A minha mãe acena que sim. «Aos meus irmãos só me apetece corrê-los à pezada», são as últimas palavras que ouvimos à nossa amiga de ocasião, antes de as suas pernas sapudas a meterem dentro de uma camioneta dos Carvalhos.
Razões para gostar de velhos
A minha Tia Glorinda é «incapaz de tomar um café ao balcão». Prometeu que, quando estivessem concluídas as obras na estação das Devesas (Gaia), iria ver ao vivo o resultado de tal empresa. «E fui», garante, muito recta e austera, apesar da corcunda que, de Natal para Natal, se avoluma. Qual não foi o espanto da irmã da minha avó quando percebeu que, no bar da nova estação, café só ao balcão. Atravessou a rua e tomou o cimbalino num café vizinho, antes de voltar ao Canidelo, onde nunca deixou de viver. Vermelhão e inchado, o meu Tio Zé, caixeiro viajante reformado, indigna-se: «Não tomas café ao balcão?! E se não houvesse outro?!», interroga-a, pedacinhos de bolo-rei projectados da sua boca à medida de uma fúria sempre prestes a explodir. «Andava sempre e não tomava!», riposta a minha Tia Glorinda, para quem a expressão «firme e hirta» parece ter sido inventada.
À saída, a minha mãe ofereceu-lhes umas quantas peças de roupa, entre as quais um pullover preto de homem. «Não sei se o Tio gosta, é preto...», disse, a medo, a dona da casa. «Gosto gosto!!», vociferou ele de imediato, agarrando na peça de malha. «Já fica para quando ficar viúvo». A minha tia, portento de seriedade, achou graça e riu.
À saída, a minha mãe ofereceu-lhes umas quantas peças de roupa, entre as quais um pullover preto de homem. «Não sei se o Tio gosta, é preto...», disse, a medo, a dona da casa. «Gosto gosto!!», vociferou ele de imediato, agarrando na peça de malha. «Já fica para quando ficar viúvo». A minha tia, portento de seriedade, achou graça e riu.
terça-feira, 2 de dezembro de 2008
Eu sei que já não faz grande sentido, mas...
... mas lisabel acende velinhas, faz figas, vai a Fátima a pé, sonha acordada e fica ligeira e subitamente acelerada com esta possibilidade do Demo.
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