sábado, 27 de dezembro de 2008

Razões para gostar do Grande Porto

A nossa ideia era apenas trocar uma balança de cozinha que, cheia de boa vontade e antecipação, a minha irmã comprou - em Novembro - para me oferecer no Natal. Garrida e modernaça, a bicha não funcionava: ou como eu e a minha mãe tentámos amadoramente explicar à menina da caixa na secção de utilidades do Corte Inglés, «não vai ao zero».

De cabelo meticulosamente liso e unhas impecáveis, a moça tentou contrariar a mania da balança, sem sucesso. De seguida, mostrou-nos alternativas que, além de complicadíssimas (ainda agora estou para saber para que serve uma balança que implica uns bons cinco minutos de explicações, somas e subtracções), excediam em muito o plafond do presente original.

Enquanto a funcionária preparava o cartão que permitirá à minha mãe comprar, a partir de Segunda-feira, qualquer objecto que lhe apeteça naquele gigantesco marmarracho a meio da avenida, uma senhora a meu lado olha para mim com indisfarçável curiosidade. «Não é irmã da Vânia?», atira poucos segundos depois.

Confirmo o parentesco e logo a minha mãe percebe estar na presença da «amiga da Eunice». Eunice é a mãe da melhor amiga da minha irmã, e esta não vai ficar nada contente quando souber que basta a alguém que nunca me conheceu ver-me de perfil para perceber as parecenças.

No primeiro dia depois do Natal, o Corte Inglés de Gaia está numa azáfama que a minha mãe, amiga da hipérbole, compara à do São João. Grandes cartazes à entrada anunciam que estamos em plena «Black Friday - O Crash dos Preços!». Questiono a pertinência de trocadilhos com a crise da bolsa em 1929, no final de um ano em que as palavras mais ouvidas em todos os noticiários foram ou «crise», ou «apesar da crise». Mas a ironia escapa ao povo que, em polvorosa, sobe e desce as escadas rolantes consoante as novas promoções anunciadas a cada hora. «Às 16h, colchões da Moviflor a 200 euros. É o Craish dos Préiços», diz a menina no altifalante, num adorável sotaque local.

Enquanto esperamos a camioneta para casa, uma senhora com ar de poucos amigos grita ao telemóvel. Vai, segundo ela, «cortar o pio» à irmã. «Eu sei que ela é minha irmã mas tem uma língua muito porca. Vou amarfanhá-la toda!», era a sua promessa. Também havia um automóvel metido ao barulho. «O carro está no nome dela mas é meu!», berra a pequenita mulher, para risada pouco disfarçada dos companheiros de paragem.

«Até a percebo», desabafa uma senhora para a minha mãe. «Na minha família também somos oito irmãos». Coincidência! Na da minha mãe também (apesar de, este ano, ter morrido um). Mas parece que as semelhanças acabam por aí. «Nenhum deles fala para mim!», revela a nossa interlocutora. «Mas eu até prefiro assim. Só quero que Deus me deia saúde para trabalhar e sustentar as minhas filhas». A minha mãe acena que sim. «Aos meus irmãos só me apetece corrê-los à pezada», são as últimas palavras que ouvimos à nossa amiga de ocasião, antes de as suas pernas sapudas a meterem dentro de uma camioneta dos Carvalhos.

1 comentário:

Anónimo disse...

"Pernas sapudas" é óptimo! :-D

O pessoal delira quando lhe dizem "Saldos". O engraçado é que se calhar ninguém gastava esse dinheiro nas coisas que compram num dia "normal"

Tempos idos

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