A minha Tia Glorinda é «incapaz de tomar um café ao balcão». Prometeu que, quando estivessem concluídas as obras na estação das Devesas (Gaia), iria ver ao vivo o resultado de tal empresa. «E fui», garante, muito recta e austera, apesar da corcunda que, de Natal para Natal, se avoluma. Qual não foi o espanto da irmã da minha avó quando percebeu que, no bar da nova estação, café só ao balcão. Atravessou a rua e tomou o cimbalino num café vizinho, antes de voltar ao Canidelo, onde nunca deixou de viver. Vermelhão e inchado, o meu Tio Zé, caixeiro viajante reformado, indigna-se: «Não tomas café ao balcão?! E se não houvesse outro?!», interroga-a, pedacinhos de bolo-rei projectados da sua boca à medida de uma fúria sempre prestes a explodir. «Andava sempre e não tomava!», riposta a minha Tia Glorinda, para quem a expressão «firme e hirta» parece ter sido inventada.
À saída, a minha mãe ofereceu-lhes umas quantas peças de roupa, entre as quais um pullover preto de homem. «Não sei se o Tio gosta, é preto...», disse, a medo, a dona da casa. «Gosto gosto!!», vociferou ele de imediato, agarrando na peça de malha. «Já fica para quando ficar viúvo». A minha tia, portento de seriedade, achou graça e riu.
Há 13 anos
2 comentários:
Confrontada com esta birra de Domingo que antecipa o regresso ao tão indesejado local de trabalho, foi uma benção chegar aqui e ter tanto para ler. Deixas-me bem-disposta, oh lisabel. :)***
... e saber isso deixa-me a mim a esfregar as mãozinhas de contentamento (e também porque não há aquecedor que vergue o frio do Norte). Muitos beijinhos, até breve! Lia
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