segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Três canções

Três canções deste ano com o sol - ou o céu, depende do dia - lá dentro:

El cielo es azul
Just don't go telling everyone
- Conor Oberst em «Eagle On A Pole»

Vê que o sol ainda brilha, ainda tem por onde arder
Não é mau, não é bom, são razões para viver
- Foge Foge Bandido em «Borboleta»

Wake up, wake up the sky’s already blue
It doesn’t matter what you do, what you do
- American Music Club em «John Berchman Victory Choir»

Para ouvir as músicas? Tentem apanhar, amanhã, o regresso do Boa Noite e um Queijo.

sábado, 27 de setembro de 2008

Objectivos de vida

Olhando para os últimos posts, noto com satisfação que um dos meus objectivos de vida - polvilhar toda e qualquer prosa com citações do Manel Cruz - está a ser cumprido sem esforço aparente.

Para breve: tentar contrariar o acordo ortográfico passando a escrever como o meu avô escrevia. Acabaram-se os «ff» em pharmácia, para mim.

No one here is gonna save you

Não saberia muito bem o que dizer, se me perguntassem porque é que gosto tanto do Mark Eitzel.

Para despachar a questão em poucas palavras, e nunca faltando à verdade, podia responder que o considero um escritor de canções formidável, um letrista milagroso, um cantor imaculado. É a minha voz favorita - diria eu, e acho que isso era sentença para rematar qualquer argumentação. Sem nunca faltar à verdade, repito.

Mas não estaria a dizer tudo. Por que razão à meia-noite de Sexta-feira me encontro eu sozinha na sala de espera dos cacilheiros do Tejo, com o Oceano Pacífico da RFM como única companhia?

Há mais qualquer coisa no Mark Eitzel que me atrai e me impele a não dispensar um concerto, sempre que seja (minimamente) possível lá chegar.

Talvez seja o facto de, entre ele e o velho tolinho que, na viagem de barco para o Barreiro, gritava «Baixem os cornos!», não haver assim tanta diferença. Quando cheguei ao auditório onde a banda ia tocar, ainda surpreendida com o facto de ter dado com o sítio, vejo um gigante de boné e camisa aos quadrados junto a um laguinho de água suja, com patos. Era o Mark Eitzel a falar com os seus músicos, julgo. Rindo e esbracejando, diz quem sabe que entusiasmado com o jantar bem regado que trazia no bucho.

Por mais de uma vez falei com o senhor. Desta feita a timidez levou a melhor e para chegar ao café até fui à volta. Depois passei o concerto com vontade de lhe dar um abraço, uma palavra de carinho, um cafuné. Não é pena que sinto pelo Mark Eitzel, mas uma empatia tão grande que raia a ternura. Empatizo muito com gente humana, e a humanidade do Mark Eitzel é tão grande e desengonçada como o seu corpo embrulhado num fato de fraco corte.

Mas quando canta, ele abandona qualquer humanidade, qualquer mortalidade, e é simplesmente uma voz a pairar acima do palco, acima das estrelas (que ele canta neste último disco dos AMC), acima dos seus pés de barro de palhaço pobre de uma terra maldita, que adora.

«Quem me dera que San Francisco se separasse da América e se tornasse um país independente», diz a certa altura. «Portugal is so free», desabafa noutro momento.

Saio sempre bem de um concerto dele. «Podia ser um Guimarães dos pobres», disse-lhes eu, esperançosa, quando cheguei. Não estavam lá comigo, e fez diferença. Mas lá diz o Outro, e (sempre) com razão: Amar é bom se houver/No fundo de um de nós alguma solidão.

Apesar da mitralhada que se veio a embebedar no bar do cacilheiro, no caminho de volta, estava bonito o rio à noite.





(foto da incrível Vera Marmelo)

Guimarães


«É como cumprimentar a Torre Eiffel», disse ela. E tinha razão. Esperar por um milagre no meio da anarquia oca dos Gogol Bordello e encontrá-lo ali, sorriso a meia haste e braços dispostos a abraçar, foi o mais próximo que tivemos de uma experiência religiosa naquela noite de Julho, à beira-rio. Horas mais tarde, as doc martens resgatadas ao baú enchiam de poeira o cenário do concerto daqueles senhores anti-Bush e anti-tudo, e nós, delicodoces e semi-ausentes, pensávamos na sorte que tínhamos (e em estátuas de luz). Dali a uma semana teríamos nova dose. E dessa vez, oh, dessa vez é que ia ser.

Quase um ano depois, o verde do Minho a substituir-se à poeira do Alentejo. A sensação de dia de folga, inatacável, a apagar a lembrança de ter de escrever sobre coisas demasiado pessoais. Os amigos todos à mão, a contagem decrescente, a certeza, cimentada ao longo de semanas, de que desta vez é que ia ser. Tudo aquilo que desejáramos.

«Não vai correr bem, vai ser um sonho. High hopes», escrevera ela. E tinha razão.

Olho para trás e lembro-me da lua cheia, perfeita, da silhueta do castelo e das igrejas recortadas na noite, do jardim mimoso a sorrir-nos mal lhe pusemos a vista em cima, quando chegámos pela tardinha. Lembro-me de ouvir as canções e de já não as ouvir, de confundir cada momento com tudo o que pedira e sonhara, o coração a bater-me nos ouvidos, as mãos a arder, a vontade de gritar Guimarães não sei bem por que motivo.

Lembro-me de mim e deles como se fôssemos um só, finalmente em sintonia, finalmente premiados por tudo.

E da típica sensação de vazio no final, da qual só o «Dia Mau» tocado de surpresa me podia despertar.
2008 pode não estar a ser o melhor ano, mas aquele dia de Julho valeu por muitas vidas.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Serviço público

Aquele programa que de quando em vez passa a seguir ao telejornal da RTP, de título 30 Minutos, só pode ter por objectivo dar cabo da digestão a uma pessoa de bem.

Certa vez apanhei por lá uma reportagem com dondocas nacionais, naquilo que foi apresentado como um «Sexo e a Cidade» à portuguesa (Deus nos acuda).

Hoje estiveram um ror de tempo a falar daquela criatura que conta os trocos no reclame da TMN - «douze, treuze...» - e cuja música é mais triste que uma melga a zumbir a meio da madrugada.

Dizia ela, antes de um concerto de apresentação, que com os nervos nem conseguia comer a «pizza» e que a mãe, ao telefone, estava toda «crazy». O parceiro de banda, estrangeiro, partilhou com o país o facto de já saber dizer «olá», com licença» e «cerveza» (sic).

Isto num canal onde a música tem habitualmente a mesma atenção que, sei lá, o cinema de autor montenegrino.

Música na RTP1, numa escala de embirração de 0 a 10: 8 Cláudios Ramos.

São João no Outono

E qual não foi o meu espanto quando hoje, ao dirigir-me ao comedouro do local de trabalho, me deparo com caldo verde (talvez a melhor sopa alguma vez inventada?) e, entre os pratos do dia, sardinhas assadas e pimentos de várias cores!

Confesso que foi o mais próximo que estive de uma epifania nos últimos dias. É nestas raras ocasiões que uma pessoa se sente mais portuguesa que o Galo de Barcelos.

Cowgirl

Um breve momento de egocentrismo para provar que o meu fascínio pelo Velho Oeste vem de longe (explicação bem mais romântica do que admitir que as minhas fatiotas de Carnaval eram sempre herdadas dos meus primos mais velhos, ambos rapazes).


Verão quente

O Verão não foi complicado apenas para mim.

Algures na nossa rua, um vizinho também sentiu a cabeça quente. E decidiu falar por todos os moradores dos Arneiros.


segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Reciclar

Tirando aqueles dias de desleixo e vida selvagem - ah, bora arrumar a cozinha sem separar o lixo, como se o holocausto ecológico não estivesse ao virar da esquina - sou, toda eu, pró-reciclagem.

Mas ainda assim humana. Por isso me custa a perceber o que terá feito uma infeliz família portuguesa para merecer que a Sílvia Alberto (todo o respeito; quem diz ela diz qualquer outra apresentadora da têvê) lhe vá remexer no «lixo orgânico» e apontar as falhas na separação dos desperdícios.

«Ai ai, então e este papel? Não devia ir para o papelão?», diz ela, luvas de plástico enfiadas até ao cotovelo, frente a uma mesa onde se prostram todos os detritos da família-vítima. Desconsolados, os membros do clã olham para a porcaria onde a estrela da televisão vasculha, entre o encabulado e o constragido.

Gostava de estar a inventar, mas vi mesmo este programa, o que, até prova da minha insanidade, confirma que ele existe.

Frases escutadas no trabalho

«Vai com calma! Faz sempre o teu tai chi todos os dias!», alerta um colega, entre o preocupado e o aflito, ao telefone.

Dor de cabeça

Se as pessoas que fazem o som da sua voz ecoar pelos open spaces desta vida já são irritantes, que dizer daqueles que usam o seu surround system pessoal para publicitar teorias de valor duvidoso, com a certeza de quem descobriu a pólvora?

Depois de um dia inteiro a ouvir as palavras «golo», «anulado», «roubado» e «injusto» em todo o tipo de frase e arranjo gramatical, eis que um vizinho decide apregoar a sua teoria sobre o Starbucks.

Para este senhor cuja cara não vejo, ir ao Starbucks em Portugal será como ir à Pizza Hut em Itália - não vai acontecer. Seguem-se exemplos inanes sobre a importância que «o português», esse bicho raro, dá ao contacto pessoal com o senhor do café e à qualidade do café propriamente dito.

Fosse eu tida ou achada para esta discussão unilateral e talvez viessem à baila certos pormenores. Assim de repente: o Starbucks vai abrir em Lisboa, num centro comercial, e não num Portugal romântico e idealizado onde as pessoas ainda conhecem o merceeiro pelo nome. Ou: a maior parte dos cimbalinos que por aí se tragam, nos mais «tradicionais» cafés de bairro, são na realidade uma bela zurrapa.

Se os argumentos deste senhor fizessem algum sentido, a canalhada das nossas cidades teria desprezado o McDonalds em detrimento da tasca das bifanas, e continuava a ir à sapataria Charles com os papás, a cada semestre, ao invés de vampirizar o orçamento familiar com as belas sapatilhas da marca.

Mas como ninguém me perguntou nada, mais vale ir andando para casa. É nestas alturas que um capuccino para levar calhava mesmo bem.

domingo, 21 de setembro de 2008

Os maiores vilões da televisão dos nossos dias

Há muitos anos eu avisei, e poucos prestaram atenção. A verdade, infelizmente, é que eu estava certa e hoje em dia não há nada que os sapos não queiram e, pior, não possam fazer. Agora até abrir a gabardine a moças, velhas e homens de barba rija o bicho ruim se lembra de fazer. É demais, e neste meu ódio só a Marta Leite Castro, a tombar a cabecinha e fazer olhinhos de Bambi enquanto finge prestar atenção ao que os entrevistados vão dizendo, pode ombrear com o batráquio. Numa escala de embirração de 0 a 10, 9,5 Camilos de Oliveira para cada um.

I am sailing...

Há muito tempo que não andava de barco no Tejo. E se quiser ser rigorosa, terei de acrescentar que as embarcações da Transtejo ou Soflusa nunca transportaram o meu rabiosque com frequência: assim de repente, lembro-me de ter ido, certamente antes da viragem do século, a casa da Célia comer um belo almoço de bacalhau, e uns anos mais tarde a um malfadado concurso de bandas portuguesas onde fiz de júri.

Esta falta de experiência com os barcos - amplamente compensada pelo conhecimento minucioso dos percursos e manhas da Carris - faz com que passar os torniquetes da estação fluvial do Terreiro do Paço tenha sempre, para mim, o seu quê de novidade e até suspense. Irá o barco dar onde eu quero? Porque é que começámos a abrandar? Estas sirenes de catástrofe nuclear são mesmo necessárias?

Na Sexta-feira passada tive de ir ao Barreiro e, na ausência de boleia, lá fiz bom uso do meu polivalente cartão Lisboa Viva, apanhando em Lisboa o barco das 20h30.

Não fazia ideia que, agora, estas embarcações têm, à semelhança do que acontece nos comboios Alfa ou Intercidades, uns pequenos bares onde, ao balcão, é possível adquirir comes e bebes (batatas fritas, gelados e chiclets; sumos, refrigerantes e álcool - é limitada e triste a vida de quem tem de comer saudável).

Ao entrar no barco, já um grupo de amigos se encostava ao balcão do bar, bebendo cerveja.

Durante uns bons 20 minutos, foram entretidos a discutir com a empregada, que acusava um deles de não ter pago um café há coisa de 15 dias.

O guião seguia mais ou menos assim, com um ou outro retoque a cada volta:

«Não fomos nós, posso jurar-lhe, menina! Mas pagamos na mesma!», diziam os acusados.

«Não quero dinheiro nenhum», retorquia ela, passando o pano Vileda pelo balcão. «Mas foram vocês sim senhor, que eu lembro-me que... » [acrescenta milhentos detalhes que só uma mulher ressabiada poderia ter retido]

«Não queremos que fique com essa imagem de nós! Não fomos nós mas deixe-me pagar!»

«Sei muito bem que foram os senhores, mas não quero dinheiro nenhum. Lembro-me muito bem que...» [blá blá blá]

A assistir ao espectáculo, na primeira fila de bancos frente ao balcão, estava um velho tolinho, de chapéu na cabeça, que entrecortava a discussão gritando, alto e bom som, «BAIXEM OS CORNOS!».

Por vezes também chamada à rapaziada que tentava limpar a honra, junto da empregada do bar, «ladrões!», e pareceu bem divertido quando, finda a viagem, uma porção de gente se dirigiu para a porta de desembarque errada. «Ladrões!», chamou-lhes também, mas o «BAIXEM OS CORNOS» bem prolongado era o seu grito de guerra favorito.

A assistir a isto tudo com a fleuma possível estavam duas senhoras que pareciam conhecer o velhote e que se lamentaram demoradamente, quando por elas passou um «qué-frô», porque nunca na vida lhes haviam oferecido flores. Mentira, corrigiu uma, contando uma elaborada narrativa que se pode resumir assim: certa vez, por acaso e pena, um senhor até a deixou tirar uma rosa branca de um ramo para outra pessoa mais estimada.

Com ou sem concerto de American Music Club, tenho de voltar a andar de barco.

Aqui estou eu

Como diria o outro, os rumores da morte deste blogue são grandemente exagerados.

Mesmo sem férias e sem tempo para partilhar aqui o sortido de pensamentos fúteis que me assolam, ainda por cá ando. E vou encarar o facto de não me ter esquecido da password do blogger como um sinal para voltar a dar ao dedo pelo Sofá Verde.

(Obrigada a todos os que me perguntaram o que se passava, e a esta menina em particular. Na verdade não se passa nada - nada além do trabalho, e o mal é esse...).

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