quarta-feira, 30 de agosto de 2006

Andre

Pode ser hoje, amanhã ou até depois. O Andre Agassi está em prova no Open dos EUA e, apesar de ainda ontem o ter visto recuperar de um 4-0 no terceiro set, vai cair um dia destes. Nada de novo: de quedas se fez a carreira deste homem a quem o comentador da Eurosport chamou «cabrito de 36 anos» (!). O problema é que esta não será uma queda qualquer: é A queda, a derradeira, a que porá termo a uma carreira de 20 anos.

Nenhum tenista conseguiu passar pelo número 1 do ranking em três décadas diferentes, nenhum venceu, na era do open, todos os torneios do Grand Slam em superfícies distintas. Mas a razão que me levará às lágrimas um destes dias não tem, como é natural, ligação directa a números, recordes e façanhas «técnicas».

Tinha acabado de fazer 12 anos quando vi o primeiro jogo do Andre Agassi. Não conhecia as regras do ténis, não me interessava por desporto e estava longe de imaginar que ali, no ecrã do televisor, na minha casa em Santo Ovídio, estava uma paixão para toda a vida. Ao contrário do que aconteceu com tantos dos ídolos e heróis que tive na adolescência e arranque de idade adulta, o menino cabeludo que se fez homem careca nunca abandonou o meu coração.

Era uma criança quando ele perdia jogos improváveis ou finais importantíssimas e chorava como se a carreira do «kid de Las Vegas» tivesse chegado ao fim (tantas vezes, e de forma tão precoce, anunciado...). 16 (!) anos volvidos, continuo a emocionar-me com a forma e a força que mostra no court. Como consegue virar um jogo do avesso, meter a bola onde qualquer outro nem se lembraria de ser possível, como retorna ao campo aos saltinhos de entusiasmo (daí a história do cabrito, valha-me Deus), perante o histerismo de um público gradualmente seu.

Nem sempre o seu talento foi reconhecido, nem sempre as gentes de Nova Iorque – já que estamos em tempo de US Open - viram nele mais do que um glamouroso tenista, um tudo-nada estouvado. Surpreende-me a unanimidade que se gerou nos últimos anos em seu redor: lembrar-se-á esta gente dos epítetos que caíam sobre os ombros do rapaz aos 20 e poucos anos? Falhado, nunca ganhará um Grand Slam, tenista de Hollywood... Sem nunca perder o carisma (nem que tentasse o conseguiria), Andre Agassi deu a volta a isto e muito mais. Caiu para número 144 do ranking e regressou para ganhar (mais) grandes Slams, triunfou em Roland Garros, ao contrário de quase todos os seus parceiros de grandeza (com Sampras à cabeça), tornou-se um ícone transversal, não perdendo no entanto a ligação à casa-mãe: o desporto que o pai o pôs a jogar mal reparou que, em bebé, Andre seguia de forma impiedosa a bola posta a balouçar por cima do berço.

Em 16 anos, o Andre Agassi tornou-se parte integrante das minhas rotinas. Nem todas boas: lembro-me de três ou quatro discussões com o meu pai, à conta de jogos (dele) e fitas (minhas), o que é especialmente relevante pois se eu tive uma dúzia de discussões a sério com o meu pai em 28 anos de vida, é muito. A minha mãe começou a torcer pelo Sampras para equilibrar as forças lá em casa. Tive, durante 12 anos benza-o Deus, um rouxinol chamado Agassi. Descobri dezenas de revistas teen e outras maroscas para me manter a par das desventuras light do homem, numa altura em que a Internet estava longe e encontrar, em Portugal, alguém que tivesse um tenista americano como ídolo era mais complicado que conhecer alguém com três rins.

Muitas das minhas memórias mais divertidas (e das mais dramáticas, também) remontam a jogos do homem. Wimbledon 92 em primeiro lugar, é claro: até fiz (e cumpri) a promessa de que, se ele ganhasse a final (o que era visto como uma missão impossível), ia duas vezes à missa naquele Domingo (vivia frente à igreja). Os jogos da Taça Davis. A milagrosa vitória em Roland Garros, à qual assisti, em sofrimento, com as minhas amigas, em tarde de aniversário. A sensação de que tudo é possível (para o bom e para o mau…), nem que o resultado de um parcial pareça definitivamente arrumado. Adivinhar as jogadas, desejar a reviravolta, torcer-me toda no match point.

Por causa do Andre Agassi passei a gostar de ver ténis, e por arrasto mais uns quantos desportos. Aquando dos Masters de Lisboa, em 2000, não desperdicei a oportunidade de o ver jogar ao vivo. As minhas amigas não desperdiçaram a oportunidade de me acompanhar e apoiar em tão histórica ocasião. Dias antes da final perdida contra o Kuerten, ia a entrar no Atlântico quando vi que havia uma sessão de autógrafos e jogatana com os miúdos, num pavilhão ao lado. Ia morrendo esmagada mas consegui furar entre a multidão e chegar à fala / ao aperto de mão com o homem. Não sei onde está o autógrafo, mas o importante é que aconteceu: mostrei a minha devoção em meia dúzia de palavras e saí de lá aliviada. Marquei um pontinho no gigantesco mapa da vida do homem que acompanhara toda a minha juventude.

Hoje, amanhã ou depois, um dia destes, tudo isto será de uma vez por todas Passado. O senhor vai dedicar-se à família (um verdadeiro conto de fadas da vida real…), à fundação de caridade, quem sabe a treinar e apoiar novos talentos. Daqui a uns anos teremos (?) os petizes Graf-Agassi a passear a herança genética pelos courts. Até lá, ficam as memórias. É absorver tudo o que o homem ainda consegue mostrar, nos próximos dias.

2 comentários:

J G disse...

Grande Lia!
:)

Anónimo disse...

Só tu melher, só tu.. :o)

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