Tenho às vezes, e infelizmente cada vez mais, a sensação de que a maior parte da música não me toca. Não me diz nada, não fala comigo.
Consigo ouvir um disco ou uma música na rádio e dizer se está «bem feito» (expressão odiosa) ou tecer um qualquer julgamento funcional (se serve, ou não, para: dançar, brincar, rockar, ouvir ao vivo, dormir, etc). Mas não me toca, bate no campo magnético criado sabe-se lá como e volta para a toca de onde saiu, provavelmente com a melhor das intenções.
Ponho-me a pensar se, há alguns anos, pensaria o mesmo das mesmas músicas. Provavelmente não, e defenderia com unhas e dentes o que hoje não me causa mais do que indiferença. Lembro-me das centenas de horas que passava a ouvir os programas do Miguel Quintão, por exemplo, e de como adorava de paixão 96% das coisas que ele passava (os outros 4% adorava só um bocadinho, ou então tinha ido à cozinha ou ao WC). Suponho que a disposição e a abertura fossem, então, outras. Ou que quanto mais conhecemos, menos nos surpreendemos e deixamos fascinar. Seja como for, continuo a adorar as músicas que conheci naquelas circunstâncias. Se pela música em si, se pela memória das ditas circunstâncias, não saberei dizer.
Como nem tudo é mau, a crescente indiferença face ao grosso do que ouço torna ainda mais especiais as coisas de que realmente gosto.
E há sempre uma saída em trabalho que salva a honra do convento e o correr dos dias: foi o que aconteceu ontem à noite, no mui aconchegante Maria Matos.
O Bernardo Sassetti é o maior. Enquanto aqueles concertos duram, dou por mim a pensar que o piano é o único instrumento que interessa.
Salve, Alice.