Este ano voltei a ler. Não banalidades na internet, nem apenas a imprensa do costume ou livros de receitas. Livros, honrando o nome que me deram, os anos em que devorava colecções inteiras de historinhas de aventuras e todo um arranque de vida devotado à arte de botar caneta ao papel.
O grande culpado deste meu feliz regresso ao passado acabou por ser um rapaz americano de nome Benjamin Moser. A este moço ocorreu, certo dia, escrever a biografia da escritora por quem se apaixonou na Faculdade, onde estudou Português. Li, por mero acaso curioso, algumas entrevistas com este escritor, a propósito do lançamento em Portugal da biografia de Clarice Lispector, e a semente ficou plantada no meu cérebro. Que dirá um americano de uma brasileira de origem ucraniana? E quem era ela, afinal, que só a vejo em frugal modo de citação nos murais de amigos de facebook?
Bastou-me encontrar o calhamaço «Clarice Lispector - Uma Vida» à venda para afiar dente naquelas 600 e tal páginas. Foram certamente o dinheiro e o tempo mais bem empregues de 2010: o dito do Moser não só enquadra maravilhosamente a obra da Senhorita Lispector, que agora começo a descobrir, como nos faz apaixonar pela pessoa que ela era, e ainda traça um retrato muito cativante da política e da história, quer do Brasil quer da Europa do Leste, não só da altura em que Clarice nasceu, como de duas ou três gerações antes da sua. É um trabalho de um fôlego inacreditável, que só muito amor pelo objecto de estudo pode ajudar a entender.
Acabada de ler a biografia, não perdi tempo e açambarquei todos os livros que encontrei da senhora (falecida um ano antes de eu nascer, em 1977). Ainda só li as colectâneas de contos; não peguei, por enquanto, nos romances que se alinham, aconchegadinhos, na prateleira dos vinis. Mas já percebi que o tempo em que não estive em contacto com esta prosa mística mas pagã, aparentemente simples e transparente mas profunda e incomodativa como uma chaga, foi tão somente tempo perdido. E também me entristece um pouco que, procurando o seu nome no Google, o auto-complete sugira pesquisas populares como «Clarice Lispector frases» ou «Clarice Lispector citações». O mais certo é que, assim, só se encontrem as baboseiras (ainda assim, singulares) que ela escrevia em revistas, para ganhar a vida, e não a verdadeira literatura de Clarice. A propósito, a sua definição da mesma era: «literatura é a vida, vivendo».
Leiam, se puderem. «Pior do que está não fica», como diria o seu compatriota Tiririca.