sábado, 13 de dezembro de 2003

O rei da festa

Hélder Reis é o nome do meu novo í­dolo. Novo, porque só há pouco tempo reparei no seu talento jorrante. Novo também, porque apesar de passar a vida entre pessoas com idade para estarem no Museu de História Natural, é um jovem rapaz. Apareceu na minha vida nas manhãs em que me levanto e, não tendo de ir trabalhar, me alapo no desconchavado sofá que dá nome a este cantinho. É um sidekick do Jorge Gabriel e da Sónia Araújo na indispensável Praça da Alegria (confesso-me fã do género, e só há uma coisa que me faz mudar de canal quando estou a ver um programa matinal: não, não são as vedetas musicais de meter medo ao susto. Nem os casos da vida para todos chorarmos de piedade, agarrados à almofada a deitar sumaúma. Nem sequer o senhor padre que, na TVI, nos diz para exclamarmos um «Mas que belo dia de Inverno!», sempre que saí­mos à rua e apanhamos com uma carga de água em cima, correspondente a três gripes e duas baixas médicas. São os números de comédia. Aquelas personagens que tentam desesperadamente ter graça, no contexto de um programa da manhã. Estão a ver o contra-senso? É como tentar adocicar um toucinho do céu, ou salgar um bolinho de bacalhau. Não funciona, nem é preciso, até porque a graça desses programas tem de ser sempre um nadinha espontânea, um nadinha involuntária, para fazer com que nos atrasemos e tenhamos de tomar banho à pressa antes de ir trabalhar).

Quem faz tudo isto e muito mais, muito bem feito (refiro-me a ter graça, não a tomar banho), é o tal Hélder Reis de que vos falava. O rapaz circula com impressionante à-vontade por entre habitats que fariam a delícia dos candidatos a qualquer eleição: mercados (o mais mítico dos quais, o Bolhão, tem presença gaiata e frequente), feiras, centros de apoio a idosos, associações recreativas para reformados. Com todos (e todas: as velhotas adoram-no) o moço fala, troca piropos («Ora essa, tem 95 mas ninguém lhe dava mais que 143!»), esbraceja, dança, sorri. Sorri. Acho que é esta a razão do meu fascínio pela personagem. Ao seu lado, a expressão "sorriso pepsodent" esmorece, cinzenta e moribunda. O Hélder Reis é um monumento de resistência e simpatia, sempre com a dentaura à mostra (e nem sequer a usa para ferrar alguns dos interessantí­ssimos doces que os entrevistados não se cansam de lhe pôr à frente). E parece, sempre, verdadeiramente interessado no que lhe contam. Acho isto formidável. A única pessoa que conheço e que ostentava um sorriso semelhante acabou na Mega FM (NT, se me estás a ler, desculpa! Gosto de ti na mesma).

Infelizmente não encontrei nenhuma foto do senhor para ilustrar esta ode ao seu trabalho. Mas digo-vos que, apesar de ser jovenzito, o rapaz usa, invariavelmente, pesada farpela: sobretudo de fazenda, e cachecóis finórios, que só por sorte (ou por estarem colados ao casaco?) não mergulham de cabeça nas caixas de sardinhas que lhe mostram, orgulhosas, as peixeiras com quem fala amiúde.

Outro dia, e provavelmente por estarmos no Natal, altura do ano em que a solidariedade por quem já não tem dentes aumenta a olhos vistos, apanhei o Hélder Reis na TV, à noite. Mas como é isto possí­vel, se o homem passa a vida a arreganhar a tacha, toda a santa manhã? É que à noite tinham-no destacado exactamente para o mesmo serviço.

Faz-me lembrar o José Carlos Malato, a quem cabe apresentar o programa da Antena 3 durante a manhã (sendo que aquilo começa às 7h, deve ter de se levantar a que horas? Lá pelas 5h?), e que à  tarde ouve emigrantes portugueses pelo telefone, e grandes artistas portugueses ao vivo, no palco do "Portugal no Coração".

Esta gente, mesmo que tenha uma família perfeita, daquelas dos anúncios a carros, deve chegar a casa e mandar toda a gente estar caladinha e quieta. Depois enfiam-se no quarto e tomam a poção mágica para a manhã seguinte. Ninguém pode ser assim tão simpático todo o tempo -- ou pode?

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