As vistas do Sofá Verde nem sempre são bonitas. De há uma semana para cá, porém, e se me virar para o lado certo, tenho à minha frente um belo espectáculo: pela primeira vez desde que vivo (relativamente) sozinha, ou seja, desde os idos de 96, tenho uma árvore de Natal. Comprei-a na "Loja Económica" da rua acima da minha, depois de me terem oferecido dois sacos gigantes e prenhos de decorações, novinhas em folha. Gosto de ficar a olhar para as agulhas desalinhadas e para os fios das luzes, em silêncio. Como diria o outro, na canção dos Blur, «it gives me a sense of enormous well being».
Mas felizmente, e para equilibrar as coisas, do outro extremo do sofá continuam a ver-se, com agrado, as mesmas inanidades de sempre. Se há programa que encarna na perfeição o espírito deste cantinho, é a mais bem sucedida novela da TVI, "Morangos com Açúcar". Ter um blog sobre TV e não falar sobre esta magnífica produção seria como ir a Roma e não ver o Papa (se bem que, de momento, com as ameaças à segurança do Santo Padre, a proeza não deve ser assim tão simplória. Mas adiante).
Em "Morangos com Açúcar", série que esteve para se chamar "Baía do Sol" (se tem algum jeito! "Morangos com Açúcar", mesmo que não perceba a razão do título, é que é!), a acção gira em redor de um grupo de jovens com muito em comum. Frequentam todos a mesma escola (o Colégio da Barra!), a mesma praia (quer seja Verão, o que acontece em 95% das cenas, ou Inverno enevoado), gostam todos de roupa de marca e parecem todos estupidamente mais novos ou mais velhos do que as suas personagens.
Exemplo: este miúdo passou uma grande vergonha quando o seu amigo desencaminhador (Rodas, o rapaz com as sobrancelhas mais inclinadas da história da televisão) descobriu a sua virgindade. Tentou o chavalo defender-se, lembrando só ter 15 anos. Atente-se à sua carinha pré-púbere:
Pelo contrário, o seu irmão, sobre cujos ombros recai a responsabilidade de criar o clã, sem pais desde o dia em que um professor do colégio os matou num acidente de carro, anda no 12º ano mas tem um corpanzil de quem exerce o nobre ofício da construção civil desde meados da década de 80. Observe-se:
No Colégio da Barra, ninguém se preocupa com notas e exames, e os que o fazem (até agora, contei um) são de imediato rotulados de "marrões e cromos". A miúda a quem calhou o desgraçado na rifa rapidamente o trocou pelo lourinho virgem (ver foto acima), congratulando-se o tal de Rodas por as miúdas preferirem sempre os "freaks". Curiosamente, no Colégio da Barra, não há senão betos. Recentemente, talvez para dar (ou retirar!) um certo colorido à série, apareceu uma nova personagem, cujo nome agora me escapa. Para dizer a verdade, também não interessa nada, porque para ficarmos a par da sua fisionomia, basta lembrarmos o papel desempenhado por Wes Bentley em "American Beauty".
Tal como essa personagem, o outsider em "Morangos com Açúcar" veste de preto e usa um barrete. Preto, também. Cachecol, casaco e sweat shirts são outros dos acessórios que o moço -- sensível e adepto das leituras -- não dispensa, fazendo um curioso contraste com a roupagem dos seus colegas, que parecem reflectir todas as cores do arco-íris. Há-de acabar com a neta do Raul Sonaldo, até ver a melhor actriz dentre os novitos da novela, a quem cabe desempenhar a sempre necessária personagem atinada e afável.
Muito pouco estereotipados, em "Morangos com Açúcar", são também os professores. Há pouco tempo, Rogério Sapinho, inesquecível Lúcifer em "Duarte e Companhia", foi expulso do Colégio da Barra pelos seus indisfarçáveis maus fígados, e pouco simpática tentativa de assassinar o professor Eduardo (por sua vez, assassino dos pais de Pipo e companhia). Austero e intolerável, o professor ameaçou voltar, e pelo que vi esta semana, não perdeu tempo. Há agora uma personagem a quem só vemos as mãos, cobertas por negras luvas de couro, que dá instruções maléficas a um rapaz betíssimo, de fato. Este aprendiz de Sapinho é um dos novos professores do colégio e vai ajudar a desestabilizar o dito, seguindo as instruções do seu mestre. É uma daquelas personagens cuja missão, numa novela, é garantir que tudo corre mal. Há quem pense tratar-se do afilhado de Rogério Sapinho. Não digo que não, mas também pode ser um simples argumentista.
Felizmente, parece estar resolvido o equívoco que levou a professora Constança (directora do Colégio, papel vivido por Rita Salema) a suspender o professor Nuno Sacramento, por alegado caso de assédio sexual, exercido sobre a insonsa Mónica (ex-apresentadora do Curto Circuito). Afinal, era ela quem tentara a sua sorte com a minha personagem favorita, e, frustrada pela não correspondência, o acusara de vis intentos. Má!
Aqui ficam, entretanto, os professores mais e menos cool da escola (Nuno Sacramento e Rogério Sapinho):
Mas como há palavras que dizem mais que as imagens, partilho convosco duas frases que guardo na minha galeria de melhores recordações televisivas:
«Ó Pipo, que parvo! Sabes perfeitamente que dar beijinhos não dá sede nenhuma!», miúdo loirinho, aka Tiago, para o irmão, depois de este o ter visto aos beijos com namorada e lhe ter servido duas colas (no Bar dos Rebeldes, pertença da família de Pipo, não há álcool)
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«Mas setôr Nuno, eu amo-o tanto!», a dita Mónica para o professor de Matemática. Em "Morangos com Açúcar", as paixões são arrebatadoras, sim senhora, mas nada como manter o devido respeito pelas hierarquias e classes profissionais.
É caso para dizer: «Amo-te tanto, funcionário de uma repartição pública João!, ou «Não posso viver sem ti, empregado de balcão do café da esquina Manuel!».
Outro dia apanhei a RTP a fazer uma reposição de programas antigos... e lá estava o Carlos Alberto Moniz a cantar músicas de Natal, com as suas duas filhas, Lúcia e Sara Moniz. Esta entra, agora, em "Morangos com Açúcar"... gostava que o canal público tivesse mostrado algumas imagens do Pipo na mesma altura, já agora. O moço devia, então, ter acabado de tirar a carta de condução de pesados.
Bom Natal!...
Há 13 anos