sexta-feira, 2 de outubro de 2009

A ouvinte lorpa

«80% das mulheres são muito porcas». De esfregona em pulso e semblante determinado, a senhora da limpeza não me deixou sair da casa de banho do trabalho sem me apresentar esta estatística e tentar prová-la o melhor que soube. «Se você for no banheiro dos homens não vê destas coisas», garantiu ela - isto depois de eu ter evitado aliviar-me num cubículo especialmente sujito. Fiquei a saber que, no banheiro dos homens, a coisa só abadalhoca quando o urinol está entupido.

Uma semana antes, em Genebra, a senhora do balcão da TAP aproxima-se do seu posto de trabalho com uma certa delonga swingante. Traz um cafézinho na mão, o que de imediato me esclarece quanto à sua nacionalidade, e começa por antecipar-se às queixas dos clientes - às nove da manhã, apenas eu e um senhor que perdera o voo da Easyjet - criticando ela própria os pilotos e os quadros superiores da empresa, que se podem dar ao luxo de fazer greve.

Isto soa que nem ginjas ao meu companheiro de infortúnio: comunista, ateu e desolado com a morte do avô, um senhor de 102 anos com quem viveu 36. De imediato se entabula um animado diálogo entre ele e a senhora do cafézinho, mas é a mim que, nas seis horas que se seguem, ele contará a história da sua vida. «Vou pô-lo no mesmo voo que esta menina, que assim não fica sozinho», diz lampeira a nossa amiga.

Pela mão do meu amigo emigrante, e graças à longa espera que tinha pela frente, fiquei a conhecer Genebra, é certo. Mas também tudo o que o senhor pensava sobre política, economia, religião, sistema fiscal, os outros emigrantes, brasileiros, brasileiras, ingleses, relógios de luxo, canetas Montblanc, preço dos chocolates, animais de estimação a bordo de aviões ou exercício físico. Mesmo que me perguntem quanto é que os suíços pagam por ano de portagens saberei responder-vos.

Como recompensa pela minha solidariedade e empatia («Desculpe falar tanto mas ajuda-me a esquecer a mágoa», dizia o homem entre ameaças de ataques de choro), quando cheguei a Lisboa, 12 horas depois de sair de Düssseldorf, a TAP perdera a minha mala.

2 comentários:

Suz disse...

Noutra vida pertenceste ao clero! Só pode!

lia disse...

:D

Vai chamar corrupta a outra, olha olha...

:D

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