O autocarro ia cheio, mesmo depois de boa parte dos seus fregueses terem saído na zona das faculdades (o início do ano lectivo traz sempre menos conforto a bordo do 729). Na Calçada da Ajuda, um velho entra no autocarro completamente colérico. Grita que «é uma vergonha!» estar, alegadamente, «há uma hora» à espera desta carreira, quando no sentido contrário já passaram três autocarros. Agigante-se perante o motorista: «Vocês fazem o que querem, a verdade é essa!». Cheio de medo ou de sensatez, não sei bem, o motorista nem lhe responde nem olha directamente para o utente tresloucado. «Palhaço!», grita este repetidas vezes, antes de se sentar num daqueles lugares de quatro pessoas, frente a uma velhota.
Indignada com o linguarajar do maluquinho, a velha não hesita em interpelá-lo. «Você está a insultar o homem para quê? Palhaço é você!». O homem levanta-se, irado, e pergunta-lhe o que é que ela tem a ver com o assunto. «Eu meti-me consigo?!». Ela levanta-se num ápice e, protegendo a cara com a mala branca, atira, já de pé: «Vá lá deitar os seus perdigotos para o raio que o parta!». Nisto, foge para as últimas filas do autocarro, continuando a insultar o homem a partir de lá. «Se não fosse uma mulher já tinha levado duas bofetadas na tromba!», vocifera o nosso herói. «Filho da puta»!, defende-se ela.
Para ajudar à festa, o autocarro tem de fazer um desvio em Belém. «Deixe-me sair aqui, deixe-me sair aqui!!», protesta, previsivelmente, o velho. «Eu não vou agora lá para cima! Não vou para o Inferno!», grita, antes de inesperadamente deixar escapar um isolado «Ainda...». E foi a última palavra que o resto do autocarro, aflito com a vontade de rir, lhe ouviu.
Há 13 anos
4 comentários:
Oh que gente doidinha que por aí anda!
O 29 vai ser o meu transporte à 6ª feira. Espero ver dessas cenas!
Na altura em que a conversa estava a ficar boa, calou-se. Não há direito!
Que saudades de andar de autocarro! :D
É este o país real :) Esses idosos tiveram os momentos altos do seu dia, há que compreender :)
Enviar um comentário