quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Mark, adoro-te!

Um dos melhores escritores de canções da sua geração e muito possivelmente a minha voz favorita de sempre. Com estes atributos, escusava de continuar a fazer pela vida, mas ei-lo aqui em todo o seu esplendor, a cantar uma música nova como devia ser quase sempre: acompanhamento mínimo, emoção máxima, devoção incondicional.

Ou como diria o André: «Quero ouvir os discos deste homem quando for velho, decadente e alcoólico - não necessariamente por esta ordem». É isso mesmo.

Mark Eitzel canta música nova - «Blood On My Hands» - ao vivo na Bélgica.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Velhos à pancada

O autocarro ia cheio, mesmo depois de boa parte dos seus fregueses terem saído na zona das faculdades (o início do ano lectivo traz sempre menos conforto a bordo do 729). Na Calçada da Ajuda, um velho entra no autocarro completamente colérico. Grita que «é uma vergonha!» estar, alegadamente, «há uma hora» à espera desta carreira, quando no sentido contrário já passaram três autocarros. Agigante-se perante o motorista: «Vocês fazem o que querem, a verdade é essa!». Cheio de medo ou de sensatez, não sei bem, o motorista nem lhe responde nem olha directamente para o utente tresloucado. «Palhaço!», grita este repetidas vezes, antes de se sentar num daqueles lugares de quatro pessoas, frente a uma velhota.

Indignada com o linguarajar do maluquinho, a velha não hesita em interpelá-lo. «Você está a insultar o homem para quê? Palhaço é você!». O homem levanta-se, irado, e pergunta-lhe o que é que ela tem a ver com o assunto. «Eu meti-me consigo?!». Ela levanta-se num ápice e, protegendo a cara com a mala branca, atira, já de pé: «Vá lá deitar os seus perdigotos para o raio que o parta!». Nisto, foge para as últimas filas do autocarro, continuando a insultar o homem a partir de lá. «Se não fosse uma mulher já tinha levado duas bofetadas na tromba!», vocifera o nosso herói. «Filho da puta»!, defende-se ela.

Para ajudar à festa, o autocarro tem de fazer um desvio em Belém. «Deixe-me sair aqui, deixe-me sair aqui!!», protesta, previsivelmente, o velho. «Eu não vou agora lá para cima! Não vou para o Inferno!», grita, antes de inesperadamente deixar escapar um isolado «Ainda...». E foi a última palavra que o resto do autocarro, aflito com a vontade de rir, lhe ouviu.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Elvis Perkins, o Grande

Tão bom como ouvir, deslindar e voltar a ouvir, ouvir, ouvir o disco (Elvis Perkins In Dearland, nunca é demais repetir), é ter o privilégio de falar com o seu autor e nele descobrir um rapaz disponível para a conversa e o pensamento. Há-de ser das coisas mais gratificantes deste ofício: perceber que do outro lado da linha, ou da mesa, está alguém cuja sensibilidade, equivalente ou não à nossa, está ao alcance da nossa intuição. E as palavras fluem.

Entrevista com o Elvis Perkins para ler aqui. Muito agradecida ao André Gomes e ao site bodyspace pela oportunidade.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Amália Nunca Mais

Ouvi hoje pela primeira vez o disco dos Hoje (só conhecia o single Gaivota). Fez-me lembrar duas coisas: aqueles paninhos de renda que algumas pessoas colocam por cima dos televisores. E os perfumes das lojas dos chineses que cheiram a insecticida.

Boa Noite e um Queijo

A ausência só durou uma semana, mas soube a mais. Como tal, o regresso foi duplamente prazeroso. Para ouvir aqui - como sempre, musiquita boa e conversa tola, ou vice-versa, conforme os apetites.

A ouvinte lorpa

«80% das mulheres são muito porcas». De esfregona em pulso e semblante determinado, a senhora da limpeza não me deixou sair da casa de banho do trabalho sem me apresentar esta estatística e tentar prová-la o melhor que soube. «Se você for no banheiro dos homens não vê destas coisas», garantiu ela - isto depois de eu ter evitado aliviar-me num cubículo especialmente sujito. Fiquei a saber que, no banheiro dos homens, a coisa só abadalhoca quando o urinol está entupido.

Uma semana antes, em Genebra, a senhora do balcão da TAP aproxima-se do seu posto de trabalho com uma certa delonga swingante. Traz um cafézinho na mão, o que de imediato me esclarece quanto à sua nacionalidade, e começa por antecipar-se às queixas dos clientes - às nove da manhã, apenas eu e um senhor que perdera o voo da Easyjet - criticando ela própria os pilotos e os quadros superiores da empresa, que se podem dar ao luxo de fazer greve.

Isto soa que nem ginjas ao meu companheiro de infortúnio: comunista, ateu e desolado com a morte do avô, um senhor de 102 anos com quem viveu 36. De imediato se entabula um animado diálogo entre ele e a senhora do cafézinho, mas é a mim que, nas seis horas que se seguem, ele contará a história da sua vida. «Vou pô-lo no mesmo voo que esta menina, que assim não fica sozinho», diz lampeira a nossa amiga.

Pela mão do meu amigo emigrante, e graças à longa espera que tinha pela frente, fiquei a conhecer Genebra, é certo. Mas também tudo o que o senhor pensava sobre política, economia, religião, sistema fiscal, os outros emigrantes, brasileiros, brasileiras, ingleses, relógios de luxo, canetas Montblanc, preço dos chocolates, animais de estimação a bordo de aviões ou exercício físico. Mesmo que me perguntem quanto é que os suíços pagam por ano de portagens saberei responder-vos.

Como recompensa pela minha solidariedade e empatia («Desculpe falar tanto mas ajuda-me a esquecer a mágoa», dizia o homem entre ameaças de ataques de choro), quando cheguei a Lisboa, 12 horas depois de sair de Düssseldorf, a TAP perdera a minha mala.
Peito, braço e dedos das mãos - estas são, oficialmente, as minhas melhores partes. Disse-me esta madrugada uma melga consolada, depois de um banquete pelas quatro da manhã. Morreria minutos mais tarde, é verdade, mas de barriga cheia e com a missão cumprida. Não é para todos.

Tempos idos

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